Memória – O Rei Momo Sucuriju

Ele era a cara e a alegria do carnaval amapaense. Caiu no samba ainda gitinho, foi ritmista de bateria de escola de samba, passista cheio de breque e ginga e um dos melhores mestres-sala. Daqueles que comprava o sapato branco com bastante antecedência e passava cera no solado para deslizar na avenida com leveza e elegância. Elegância no gingado que só quem nasceu pra ser o rei do carnaval tem.
Raimundo Tavares, o Sucuriju, que deu muitas alegrias ao Boêmios do Laguinho e fundou a escola de samba Jardim Felicidade.
De sorriso largo e franco, conversador, contador de histórias, causos e piadas do carnaval amapaense, Sucuriju foi o Rei Momo do Amapá de 2003 até sua morte em 3 de fevereiro do ano passado, 2023.

Alzira Soriano, primeira prefeita eleita no Brasil

A primeira prefeita do país foi Alzira Soriano, eleita em 1928 para comandar  o município de Lajes, no estado do Rio Grande do Norte, com 60% dos votos. Durante sua administração, ela promoveu a construção de estradas, mercados públicos municipais e a melhoria da iluminação pública. O jornal norte-americano The New York Times inclusive a citou, à época, como a primeira prefeita eleita em toda a América Latina. Com a Revolução de 1930, perdeu o mandato por não concordar com o governo de Getúlio Vargas.

A responsável pela indicação de Alzira como candidata à Prefeitura de Lajes foi a advogada feminista Bertha Lutz, uma das figuras pioneiras do feminismo no Brasil.

(Fonte: TSE)

Craques do futebol amapaense

Craques do futebol amapaense
Por João Silva

Dois campeões, dois irmãos, dois craques que deram muitas alegrias ao torcedor amapaense: o quarto-zagueiro Faustino e o centro-avante Jangito.

A foto é dos anos 60, quando os dois irmãos bons de bola foram campeões pelo CEA Clube, antes de se transferiram para o futebol paraense, para o Clube do Remo. Faustino foi titular absoluto e jogou mais tempo no Leão Azul, Jangito jogou menos; depois foi levado para o futebol acreano onde brilhou intensamente atuando pelo Juventus e Independência.

Jangito começou no campinho da Matriz, no Juventus Esporte Clube cá de casa, fundado pelos padres do PIME.

Faustino, depois do Remo, foi jogar no futebol amazonense, pelo Nacional e Sul-America, sagrando-se bicampeão amazonense de futebol; o quarto-zagueiro clássico faleceu em 1998 em Manaus, como funcionário da Andrade Gutierres;

João do Carmo Tavares, o Jangito é economista, e funcionário aposentado do Banco do Brasil; na ativa chegou a assumir a gerência local do BB, e depois que pendurou as chuteiras virou técnico da Sociedade Esportiva e Recreativa São José; era um atacante inteligente, de chute forte, artilheiro nato; é casado, tem filhos, está vivo, vai completar 81 anos e mora com a família em São Paulo.

Os dois também jogavam basquetebol com bom desempenho.

Hoje – 134 anos do nascimento do Mestre Julião

“Aonde tu vai rapaz
nesse caminho sozinho?
Vou fazer minha morada
lá nos campos do Laguinho”

Há exatos 134 anos (em 9 de janeiro de 1890) anos nascia em Macapá Julião Tomaz Ramos, o Mestre Julião, uma das figuras mais expressivas do Marabaixo, exímio tocador de caixa e cantador e líder da comunidade negra.
Foi com Mestre Julião que o primeiro governador do Amapá, Janary Nunes, iniciou os diálogos para a retirada dos negros da Praça Barão para que ali fossem construídas as casas para os funcionários do governo, ocupantes do primeiro escalão.
Com o apoio de Julião, que era o líder da comunidade, Janary convenceu os negros a deixarem o lugar, oferecendo a eles casas no bairro do Laguinho, na época chamado de campos do laguinho.
(Os que não aceitaram a proposta, mudaram-se para a Favela – hoje bairro Central e Santa Rita-  sob a liderança de Gertrudes Saturnino.)

Julião foi servidor público. Era ele o zelador do campo de aviação – o primeiro aeroporto de Macapá, que ficava na Av. FAB.

Foi casado com Januária Simplício Ramos, com quem teve seis filhos: Felícia Amália Ramos, Alípio de Assunção Ramos, Apolinário Libório Ramos, Benedita Guilhermina Ramos e Joaquim Miguel Ramos.

Mestre Julião morreu em Macapá em junho de 1958.

Hoje – Centenário do nascimento do poeta e jornalista Alcy Araújo

Alcy Araújo Cavalcante – o poeta do cais, dos anjos, das borboletas, do jardim clonal, dos marinheiros e de tudo que merece ser amado – nasceu no distrito de Peixe Boi (PA), no dia 7 de janeiro de 1924.
Criança ainda transferiu-se com a família para Belém, vivendo depois em pequenas cidades da região norte para onde seu pai, Nicolau Cavalcante, era destacado para implantar os serviços de Correios e Telégrafos.
De retorno a Belém, Alcy cursou a Escola Industrial tornando-se mestre marceneiro e de outras especialidades relacionados ao ofício, que exerceu por algum tempo.

“Canto a terra, a dor dos aflitos
e a inútil esperança dos desesperançados.
Também os negros, os índios e o verde
e presto relevantes serviços topográficos
demarcando itinerários de poesia.”
Alcy Araújo

No entanto o talento literário, a vocação pelo jornalismo e um precoce desenvolvimento intelectual levaram Alcy a trocar a bancada da oficina pela escrivaninha do jornal, em 1941, com 17 anos de idade. Por mais de uma década trabalhou nos principais jornais do Pará como repórter, articulista, redator e chefe de reportagem, entre eles a Folha do Norte, O Estado do Pará e O Liberal.
Veio para o Amapá na década de 1950 a convite do governador. Aqui exerceu importantes cargos, assessorou vários governadores, dirigiu jornais, lutou pela emancipação política e administrativa desta região, combateu a exploração dos recursos naturais, fez importantes trabalhos de pesquisa sobre rizicultura, erosão dos solos, pesca no litoral, entre outros.
Ele foi o primeiro jornalista amapaense a participar como delegado de um Congresso Nacional de Jornalistas. Isso aconteceu em setembro de 1957. Foi VII Congresso que marcou o cinqüentenário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Contudo, acredito que a maior contribuição dele ao Amapá deve ser aferida pela sua imensa e constante participação na vida intelectual e artística – tanto através da imprensa, como nos demais instrumentos e instâncias da cultura amapaense.
Amante das artes, foi ele que lutou, ao lado de R.Peixe, pela criação da Escola de Artes Cândido Portinari e do Teatro das Bacabeiras.
Fez parte da Academia Amapaense de Letras ocupando a cadeira 25.
Na música, Alcy – tendo como parceiro Nonato Leal – venceu vários festivais, inclusive o I Festival Amapaense da Canção.
No carnaval, compôs belíssimos sambas de enredo para a Embaixada Cidade de Macapá e Maracatu da Favela, recebendo, todas as vezes, a nota máxima dos jurados.
“Aqui estão as minhas mãos, falando palavras feitas de pássaros e
de ausências e cantando canções sonhadas em segredo.” (Alcy Araújo)
Junto com Álvaro da Cunha, Ivo Torres, Arthur Nery Marinho e Aluízio da Cunha, movimentou o segmento cultural amapaense criando clubes de arte, promovendo noites lítero-musicais, apoiando artistas plásticos, músicos, poetas e escritores, fundando e dirigindo revistas culturais difundindo a cultura do Amapá por este Brasilsão, entre mais tantas coisas que deixariam imenso este texto se fossem listadas aqui.
“Ele foi um dos mais macapaenses de todos os paraenses que ajudaram a desenvolver o Amapá”, escreveu certa vez o jornalista Hélio Penafort.
Foi editor, noticiarista, diretor, colunista, articulista e editorialista de vários jornais amapaenses. Jornalista emérito, arguto analista  dos problemas sócio-econômicos do Amapá, foi na poesia que Alcy Araújo universalizou mais profundamente seu talento. É um dos poucos poetas do Norte a figurar na “Grande Enciclopédia Brasileira Portuguesa”, editada em Lisboa. Está também nas enciclopédias “Brasil e Brasileiros de Hoje” e “Grande Enciclopédia da Amazônia” e em tantas outras obras como “Introdução à Literatura”, “Poesia do Grão Pará”, Antologia Internacional Del Secchi, Coletânea Amapaense de Poesia e Crônica, Antologia Modernos Poetas do Amapá e coletânea “Contistas do Meio do Mundo”.
Em 1965, pela Editora Rumo, foi lançado seu primeiro livro: Autogeografia (poemas e crônicas). Em 1983, comemorando os 40 anos de Alcy dedicados à poesia, a Editora do MEC lançou no Rio de Janeiro seu livro “Poemas do Homem do Cais” e em 1997 foi lançado pela Associação Amapaense de Escritores o livro “Jardim Clonal”.
Em 2021 a Prefeitura de Macapá editou e lançou o seu livro “Ave Ternura” e reeditou o “Autogeografia”.
Numa noite de sábado, 22 de abril de 1989, Alcy Araújo partiu para o cais definitivo levado pelas mãos do seu Anjo da Guarda. Partiu deixando inéditos, prontinhos para publicação, os livros “Histórias Tranquilas”, “Cartas pro Anjo”, “Mundo Partido”, “Terra Molhada”, “Tempo de Esperança”, “Poemas pro Anjo do Natal”, entre outros.
Alcy Araújo Cavalcante, meu pai, tinha a alma pura, de criança que acredita no Natal e na Esperança e assim cheio de esperança colocou sua poesia a favor da luta por um sociedade melhor, livre das desigualdades e das injustiças.
Participação
Alcy Araújo
Estou convosco.
Participo dos vossos anseios coletivos.
Vim unir meu grito de protesto
ao suor dos que suaram
nos campos e nas fábricas.
Aqui estou
para juntar minha boca
às vossas bocas no clamor pelo pão
sancionar com este rumor que vai crescendo
a petição de liberdade.
Estou convosco.
Para unir meu sangue ao sangue
dos que tombaram
na luta contra a fome e a injustiça
foram vilipendiados em sua glória
de mártires
de heróis.
Vim de longe
percorrendo desesperos.
Das docas agitadas de Hamburgo
das plantações de banana da Guatemala
dos seringais quentes do Haiti.
Vim do cais angustiado de Belém
dos poços de petróleo do Kuwait
das minas de salitre do Chile
Passei fome nos arrozais da China
nos canaviais de Cuba
entre as vacas sagradas da Índia
ouvindo música de jazz no Harlem.
Afundei nas geladas estepes russas.
morri ontem no Canal da Mancha
e hoje no de Suez.
Tombei nas margens do Reno
e nas areias do Saara
lutando pela vossa liberdade
pelo vosso direito de dizer
e de amar.
Estou convosco.
Voluntariamente aumento o efetivo
dos que não se conformam
em viver de joelhos
morrendo sufocando lágrimas
nas frentes de batalha
nas prisões
para dar à criança recém-parida
o riso negado aos vossos pais
o pão que falta em vossas mesas.
Meu filho
e o filho do meu filho
saberão que o meu poema não se omitiu
quando vossas vozes fenderem o silêncio
e ecoarem nos ouvidos de Deus.

Era assim a igreja de N.S.de Fátima

Era assim a Igreja Nossa Senhora de Fátima em Macapá. Era chamada de “Capelinha”. Ficava onde é hoje o Hospital de Emergências, na esquina da rua Hamilton Silva com avenida Padre Júlio.
Ela foi construída por carpinteiros, pedreiros, pintores  e  auxiliares de serviços gerais que moravam no bairro da Favela (hoje bairro Central e Santa Rita)
No mesmo terreno, logo atrás, funcionava uma escola paroquial e o grupo de Escoteiros São Maurício.
A escola, que, na verdade era um barracão, servia também de local para as reuniões  dos Marianos, das  Filhas  de Maria  e  para exibições de filmes.
Foi nesta Capelinha que eu e o meu irmão Alcione fizemos
a primeira comunhão e a crisma.
(Os padres na primeira foto são o Salvador e o Jorge Basile)

Lembranças da Velha Boa

Lembranças da Velha Boa
João Silva*

Como esquecer a RDM do meu tempo, a Velha Boa?!

Logo, a emissora oficial era o som da notícia capaz de buscar um caboclo, um ribeirinho onde ele estivesse na imensidão da floresta amazônica.
Idealizada por Janary Nunes, a RDM foi mais que mera emissora oficial, foi a pioneira, a escola do rádio, o marco da comunicação no Amapá!
Em som cristalino, a Velha Boa dava seu recado para diminuir a distância e o isolamento, para levar a notícia, a música, e o entretenimento ao povo da cidade e aos nossos irmãos insulados pela floresta e o grande rio!
No interior, todo caboclo se ligava nas ondas da RDM, toda caboclo tinha um rádio, e reunia a família na frente do rádio como se estivesse assistindo televisão só pra ouvir as notícias, as mensagens transmitidas pela emissora oficial, seu velho e infalível correio de voz!
Em Macapá, duvido que uma casa não tivesse um rádio ligado na RDM quando não havia televisão, emissoras FM e redes sociais; o macapaense viajava nas emoções da Velha Boa, ficava colado na rádio novela, no Grande Jornal Falado E-2, nos programas de auditório, no Carnet Social, nas transmissões das paradas cívicas e dos jogos de futebol!
Todo aspirante ao rádio sonhava em fazer rádio na Velha Boa, e eu passei pela RDM algumas vezes: a primeira pelas mão de Benedito Andrade e Chico Salles de Lima; cruzei com algumas lendas como Pedro Afonso da Silveira, José Machado, Joaquim Ramos, Eulálio Modesto, João Lazaro, Amazonas Tapajós, Agostinho Sousa, Edvar Mota, Bonifácio Alves, cheguei a ver Edna Luz.
No esporte da RDM por onde entrei na emissora pela primeira vez em 1968, ouvi falar em Guioberto Alves, Carlos Cordeiro Gomes, Julio Salles, Guilherme Jarbas, José Maria de Barros, Rupsilva, Estácio Vidal Picanço. Eu mesmo trabalhei com Francisco Salles de Lima, Arnaldo Araújo, Anacleto Ramos, Humberto Moreira e Ivo Guilherme de Pinho, tempo em que a Velha Boa era dirigida por Sillas Assis, e o Departamento de Esporte um cubículo que funcionava no prédio da Imprensa
Oficial.Numa segunda passagem voltei a trabalhar no esporte da emissora, desta feita sob a direção do companheiro, jornalista Ernani Marinho Ferreira.
Dá um prazer danado lembrar dos bons tempos da RDM num dia festivo a propósito de um tempo em que nossos governantes tratavam com dedicação instituições importantes para a sociedade, como a Rádio Difusora de Macapá e a Guarda Territorial, ambas muito queridas pelo povo amapaense!
Parabéns à RDM pelos 77 anos de existência, abraço à todos os profissionais da emissora que segue respirando, apesar dos pesares!
Viva a Rádio Difusora de Macapá, viva a Velha Boa!

*João Silva é jornalista e cronista

Muitos anos depois…

Muitos anos depois…
Luiz Jorge Ferreira

A Escritora, Jornalista  e Poeta Amapaense, Alcinéa Cavalcante iniciou em seu Blog… a escrever sobre várias pessoas que no Amapá realizaram no tempo que lá moraram dentro de suas atividades desempenhadas em relação a comunidade com as quais se relacionavam, cada uma delas, trabalhos memoráveis, tanto dentro dos Esportes, Eventos Culturais,e Sociais, que mereceu e merece a realização desse registro.

Eu fiquei muito surpreso e orgulhoso de receber seu convite, para que traçasse um pequeno retrato de um grande Educador, homem ligado a fomentar os aspectos Culturais da região no que se refere as manifestações folclóricas como os Pássaros da Época Juninha, reuniões de grupos interpretando um texto já romanceado de muitos tempos, mas que sob a direção desse Educador recebiam uma roupagem mais interessante com musicas compostas para as apresentações do Grupo…
Que tinham nome de Passaros da região, Japiim, Uirapuru…e assim por diante…isso em Junho.
No fim do Ano, o Educador criava Peças sempre voltadas ao cunho educativo, e convocava os Escoteiros do Grupo Escoteiro que dirigia, compunha a trilha sonora da Peça Teatral, cujo o acompanhamento também era realizado por um Grupo Musical montado com componentes pescados entre os mais talentosos.
Nesse caso específico…
Os Joviais…
Afora esse trabalho motivador e educativo…
O Grupo Escoteiro Veiga Cabral mantinha suas atividades para qual fora criado com reuniões, jogos de Ping Pong, futebol de Campo e de Salão, em Campeonatos internos e externos , alugando a Quadra para que Associações usassem-na e estimulassem o serviço da Cantina instalada no local, que só se subtraia de vender Alcool e Cigarros…
Para os que tinham queda pela Radiofonia, e muitos tinham…foi montado um Serviço de Autofalantes e Sonoro que ajudava a animar essas atividades…
Para o apogeu de todas essas multiplas atividades..tinham os Escoteiros, entre os festejos civicos, seus dois grandes Acampamentos, que aconteciam um em Julho e outro em Dezembro…
Tudo isso sob a Égide da realização de jogos, pescarias, provas tipicas do Escotismo …provas de nó…agarrar o rabo da raposa( essa era uma pegadinha) que os veteranos não contavam e os novatos caiam como patinhos…
Esse Universo de momentos divertidos e educativos, aconteceram por muitos anos…
Com resultados positivos que se refletem até hoje nos frutos dessas gerações que por lá passaram…
Começaram a acontecer com a chegada do Chefe Humberto Dias Santos (foto),funcionário da LBA, que também exercia a função de treinador de futebol …foi treinar o São José…antes ele já treinara o Juventus…time ligado a Igreja Matriz, e a ordem religiosa que a gerenciava.
Para comandar o São José, cujo os treinos seriam realizados no campo localizado ao fundos da Sede Escoteira Veiga Cabral.
Uniu-se a figura do Chefe Escoteiro, a do treinador, a do Diretor Teatral…ao organizador de Cordões Pássaros e Peças Teatrais, ao Regente do Coral Escoteiro do Grupo de Escoteiros de Terra…Veiga Cabral , e de muitas outras apresentações educativas que instruiram e doutrinaram futuros bons cidadãos…
Ao Chefe Humberto e assessores,e colaboradores, Chefes Escoteiros também tal qual ele, que foram responsáveis por muitos cidadãos responsaveis que hoje pelos muitos cantos do país, orgulham-se de haver vivido e convivido entre si nesse período.
Eu ofereço palmas, gratidão, e nosso Sempre Alerta!

(Luiz Jorge Ferreira é médico, poeta, escritor, autor de vários livros)

“Espia Só” – Ruben Bemerguy

“Espia Só”
Ruben Bemerguy

A pouquidade imantava os apelidos. Na minha época, pelo menos, era assim. Todos tínhamos um, fosse menino, fosse menina.

Lembro bem de alguns: o “Olho de Poço”, o “Caranguejo de Ganho”, o “Pateta”, o “Di rã”, o “Piquita”, o “Barrasco”, o “Cabeco”, o “Catuné”, o “Judeu”, o “Caimbó”, o “Tourão”, o “Grosso”, o “Mentira em Dia”, o “Abana Peido”, o “Manoel Calça Vesga”, o “Caroço de Bacaba”, o “Espia Só”, a “Mana do Céu”, a “Susi”, entre outros tantos que agora não me socorre a memória.

Era uma espécie de bullying, antes mesmo do bullying ficar famoso. Naquele tempo, famoso era só o apelido. Impiedosos, quanto mais nos incomodávamos, mais apelidados éramos. A criação do apelido era uma interpretação bem nativa e maliciosa do outro. Às vezes, uma forra, uma revanche, uma contrapartida pra aproximar o outro do ridículo espalhafatoso.

Mas a gente cresce. É uma pena, mas não há como custodiar a pouquidade para sempre. As notícias dos da pouquidade também se apequenam. Um, pouco sabe do outro. Isso, essa privação, era inimaginável na pouquidade. É que a arte de sofrer ausências não se adivinha nunca, nem na pouquidade, nem depois dela.

Outro dia, sem vê-lo há muitos anos, soube, por acaso, do “Espia Só”. Soube na dimensão da dor. “Espia” estava internado em uma Unidade de Terapia Intensiva. O nível de glicose do “Espia” seria o culpado pelo cárcere. Sim, as UTIs são isso mesmo. A exceção da voluntariedade, aquelas voluntariedades no modelo “não tem outro jeito”, de resto é, em tudo, um calabouço.

Lá – nas UTIs – reinam as posições corporais. Os verticais mandam. Identificam o curso dos corpos horizontais e os gerem. Além, em extraordinária arte divinatória, preveem e organizam a notícia do luto. Os horizontais são mandados e, o mais grave, sem nenhuma energia para sublevação.

Os verticais se vestem de branco assusta(dor). Os horizontais entregam à própria nudez um sentido falso e, ainda que famélicos de trajes, revestem o corpo em fronhas frequentemente desenganadas.

Verticais e horizontais só guardam em comum seus sofismas. E os guardam em segredos quase sagrados. Descobri-los –  o sofisma um do outro – é o maior desejo entre eles. Assim, dedicam-se a interpretar indícios para alcançar o paralogismo do outro. Tudo, claro, ao contrário do cárcere, de modo absolutamente involuntário, ainda que facilmente certificados a olhos de nus de uns – verticais – e de outros – horizontais. Na esfera dessa adivinhação não há hierarquia. Essa, eu diria, é a única igualdade em uma UTI entre verticais e a população carcerária a que me refiro.

Talvez por isso, não sabem os verticais, p.ex., que o açúcar no sangue do “Espia” é contemporâneo a própria existência dele. “Espia” sempre foi um delicioso doce de mamão verde feito pela vó Esther. Desde a pouquidade “Espia” assustava por ser assim.

Obediente aos padrões das ruas de Macapá, tez preta, forte, pequena altura, cabelo pixaim, nariz fino e arrebitado e dentes como esculpidos em marfim.

Espia era também nosso goleiro no time da praça. Dada a posição em campo, já se prevê, com razão, que Espia não executava as tarefas do futebol com habilidade e, por isso, goleiro, sempre goleiro. A fragilidade acrobata do Espia, entretanto, não desmaiava a sua alegria quando fazíamos um gol. Era o primeiro a nos abraçar, embora o mais distante dos atacantes, se assim se pode dizer. O abraço do Espia me abraça a vida toda, especialmente agora, bem longe da pouquidade.

Ao contrário do futebol, Espia era imbatível na peteca e no celotex, esse, chamado hoje, parece, futebol de mesa. Espia colecionava os troféus que nós mesmos fabricávamos. Em regra, troféus de lata e cera de vela usada. Valia muito. Nossa mãe do céu!

Tenho muitas lembranças do Espia. Muitas mesmo. Não esqueço que os da pouquidade costumavam dizer “não levar desaforo pra casa”. Espia dizia, sua mãe havia cavado um poço no quintal da casa só pra ele desaguar as falas de atrevimento. Do poço, segundo o Espia, não brotava água, mas luz de lua. Para ele e sua mãe, água só amazonava. Luz de lua curava. Um santo remédio de vida. Hoje entendo bem a filosofia da mãe do Espia e do Espia.

Soube na dimensão da mais intensa dor do último suspiro do Espia no mundo dos verticais. Pra mim, Espia voltou ao poço que sua mãe cavou no quintal da casa. Se a água só Amazona, a luz de lua cura.

Bendita a sua memória – Z’L.

(Ruben Bemerguy é advogado e membro da Academia Amapaense de Letras)