Artigo dominical

A cama do monge
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um terrível bandido assaltava as caravanas que viajavam da Pérsia para a Palestina. Em poucos anos, havia juntado uma enorme fortuna, mas nunca ficava satisfeito. Certo dia, em suas andanças, encontrou um vilarejo de míseras choupanas que não conhecia. O lugar era habitado por monges que, ao perceber sua chegada, tinham fugido. O bandido entrou naquelas pobres moradas e roubou o que podia: um livro, uma ânfora, um crucifixo, uma veste. Numa das cabanas, porém, não encontrou absolutamente nada, tinha somente uma tábua que devia servir de cama para o morador. Ficou tão comovido com tamanha pobreza que decidiu premiar, de alguma forma, o desconhecido morador. Mandou colocar suntuosas cortinas, deixou um vasilhame precioso e enfeitou o lugar com adornos de ouro e prata. Depois, prometeu a si mesmo que voltaria para ver o que o sortudo morador faria com aqueles tesouros. Voltou depois de alguns meses disfarçado de viandante. Ao entrar, o homem falou:

– Ouvi dizer que um generoso bandido te encheu de riquezas, mas não estou vendo nada em tua casa?

– É verdade, estrangeiro, metade dos bens os doei aos pobres e metade à igreja. Contudo ficarei agradecido para sempre àquele bandido, porque me deixou um presente muito mais valioso: ajudou-me a entender que podia renunciar também à cama. Naquele momento, o bandido reparou que o monge estava mesmo deitado no chão. O seu coração de pedra estremeceu, caiu de joelhos e começou a chorar no colo do pobre velho. Este compreendeu tudo e ouvindo dele que estava disposto a renunciar a todos os seus bens, disse-lhe:

– Não a todos, mas à metade. Estás demais acostumado a eles, assim como eu estava agarrado à minha cama. Chegará o dia no qual te libertarás da coisa à qual mais estás ligado: a ti mesmo. Naquele dia, se quiseres, poderás vir aqui comigo. Vou te acolher como a um filho.

As primeiras duas parábolas do evangelho deste domingo são semelhantes. Em ambos os casos, o homem que encontra o tesouro no campo e o mercador de pérolas vendem tudo o que têm para comprar aquele campo e aquela pérola. Como sempre, Jesus não faz a teoria do Reino e, também, não afirma simplesmente que este Reino vale mais de que tudo o resto. O compara com a história dos dois homens que não têm receio de trocar tudo o que possuem com aquele bem que eles acreditam valer muito mais do que deixaram. Este bem tão precioso – o tesouro e a pérola – é o próprio Reino de Deus. Afinal, é Deus mesmo.

Mas, por que Jesus fala em vender e comprar? Será que o Reino é uma das tantas mercadorias que circulam pelo mundo e a elas pode ser assemelhado? Com certeza, não, mas a parábola ajuda a entender a dinâmica do Reino que acompanha a nossa própria vida. Vivemos de trocas e sempre esperamos ganhar alguma coisa. Ao menos, um pouco de satisfação, de prazer, de gratidão. Os pais criam os filhos e esperam que um dia serão recompensados pelos sacrifícios e a generosidade. Os jovens estudam, buscam um trabalho, porque sonham uma vida melhor, almejam a felicidade. Ninguém inicia um empreendimento já sabendo que irá à falência; se investe, é para ganhar, nunca para perder. Nada de mais comum: somos todos, mais ou menos, interesseiros. No entanto, para ganhar o Reino, que sempre será um dom de Deus, como a sorte de ter encontrado o tesouro ou a pérola na parábola, precisa deixar muito, talvez, tudo. Somente quem consegue se libertar de tantas outras “coisas”, menos preciosas, consegue desfrutar do Reino.

Jesus nos ensina a procurar o que vale mais. Em qualquer negócio, precisa escolher e arriscar. Não é coisa para fracos e indecisos, para medrosos e acomodados. Participar do Reino significa reencontrar o sentido da vida. O que hoje parece uma perda, acreditemos, amanhã será um ganho. Poderemos usar dos bens matérias sem nos tornar escravos deles. Poderemos gastar os nossos dons para fazer o bem, para amar e defender os valores que dignificam a nossa humanidade, senhores dos nossos sentimentos e decisões. A busca do Reino liberta, nunca aprisiona. Torna-nos grandes porque amigos de Deus, nunca homens mesquinhos.

O bandido da história entendeu que o paupérrimo monge era mais rico do que ele. Claro, não pelo dinheiro, mas pela liberdade. Podemos desconfiar disso, mas a busca deve continuar. O verdadeiro tesouro está escondido, mas sempre podemos encontrá-lo. Coragem!

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