Artigo dominical

Os gestos e as palavras
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Antigamente existia um mestre que, diziam, ensinava a sabedoria de uma forma extraordinária somente através gestos e sinais. Um homem ficou muito atraído por esta maneira de ensinar. Ele teve que atravessar mares e terras para encontrá-lo, mas não desistiu. Quando o viu, o mestre lhe disse logo:

– Para dar os primeiros passos no caminho da sabedoria, deve, antes, estar pronto a aprender somente através das palavras.

O homem reclamou:

– As palavras eu posso encontrá-las em qualquer lugar. Eu vim para aprender através dos sinais!

O mestre abanou a cabeça:

– Quem faz sinais e gestos? A criança. E quem os entende? A mãe. E tu, quem acha que é dos dois? Ainda tem um longo caminho a percorrer. – E o mandou embora.

Continuando a leitura do evangelho de Marcos, encontramos, neste domingo, o envio dos apóstolos em missão por parte de Jesus. Em outros evangelhos, além dos gestos e sinais, os enviados devem dizer algumas palavras. Nenhuma delas é apresentada na página de Marcos. Talvez isso nos surpreenda acostumados como estamos a fazer discursos ou a imaginar que sejam estes a abrir-nos portas e corações. Todos nós, quando nos preparamos para ir a um encontro, ensaiamos o que vamos dizer. Preparamos as respostas a possíveis questionamentos e explicações à altura da situação. Jesus também ensinou com palavras, não temos dúvidas. Os evangelhos transmitiram muitos discursos e palavras dele – a sua sabedoria, o ensinamento dado com autoridade – no entanto, se olharmos o conjunto da sua mensagem, também os gestos chamaram atenção, levantaram dúvidas e questionamentos, como igualmente, porém, suscitaram a fé. Muitas vezes, os adversários perguntaram a Jesus em nome de quem fazia tudo aquilo e, ele mesmo, convidava a acreditar nas suas “obras”. A questão é encontrar o justo equilíbrio entre as palavras e os gestos. Ambos são manifestação e revelação. Umas completam os outros e vice-versa. Sem palavras e explicações, podemos correr o risco de não entender os gestos, mas também palavras bonitas sem a ação correspondente podem ser só conversas vazias. Para simplificar: Jesus, por exemplo, não somente ensinou a amar, amou-nos até o fim, oferecendo a sua vida na cruz.

No evangelho deste domingo, são os gestos a falar por si mesmos. O poder sobre os espíritos impuros e a cura dos enfermos representam mais do que uma simples cura. Estes gestos eram uma ação concreta de libertação oferecida a quem estava em condição desumana vivendo na exclusão social e religiosa. Dar atenção aos sofrimentos do povo era a manifestação clara de um novo compromisso de Deus com os pequenos e desprezados. Era um caminho aberto para a compaixão e a misericórdia dele, o contrário de que os outros pregavam. O fato de não levar dinheiro, comida, sacolas com roupa e tudo o que mais podia servir para a viagem, significava a prioridade absoluta da mensagem. Os apóstolos deviam anunciar a boa notícia do Reino, e esta começava com a acolhida nas casas, na vivência da fraternidade e da partilha, sem tantos recursos ou empecilhos de normas rituais. O anúncio era acompanhado pela própria experiência. O gesto confirmava a novidade. Também no caso, previsível, da não acolhida, o ato de sacudir a poeira podia significar uma antecipação do julgamento e, portanto, um convite àquelas pessoas a repensar sobre a sua decisão.

Hoje vivemos numa sociedade cheia de palavras. – Precisamos de “testemunhas” – já dizia papa Paulo VI, para lembrar que os verdadeiros profetas não somente ensinaram e ensinam com as palavras mas, antes de tudo, com o seu próprio compromisso de vida.

A mãe entende os sinais da criança, porque é atenta e amorosa. Num mundo distraído e fascinado por muitas coisas superficiais, ainda servem palavras claras e convincentes. Mas sempre será a vida dos cristãos a revelar a consistência e a alegria da sua fé. Da nossa também.                                          

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