Artigo dominical

A Meridiana
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um rei do Oriente trouxe de uma viagem em terras longínquas uma meridiana para os seus súditos que ainda não conheciam as horas. Aquela invenção mudou a vida das pessoas. Olhando a meridiana, todos aprenderam rapidamente a dividir e a organizar as horas do dia. Começaram a ser diligentes, pontuais e ordenados. Dessa maneira, em poucos anos, o reino prosperou e ficaram ricos. Quando o rei morreu, os súditos, agradecidos, decidiram erigir um monumento que o lembrasse para sempre. A meridiana, também, era o símbolo e a origem das suas riquezas e, portanto, resolveram construir ao redor dela um magnífico templo com a cúpula de ouro. Quando acabaram de fechar a cúpula, os raios do sol não alcançaram mais a meridiana e assim aquele fio de sombra, que havia marcado o tempo, em todos aqueles anos, desapareceu. Em pouco tempo, alguns cidadãos deixaram de ser pontuais, outros faltaram com a diligência e outros voltaram a ter uma vida totalmente desordenada. Cada um resolveu andar pelo seu caminho, fazer as coisas quando e como bem queria, sem mais nenhuma atenção para os outros. O reino todo foi para a ruína.

A moral da história é simples. Aquelas pessoas deram muito valor à meridiana e se esqueceram da luz do sol que, de fato, fazia funcionar o relógio mais antigo do mundo. Isso acontece quando nós não buscamos o sentido mais profundo da vida e dos nossos conhecimentos. Ficamos satisfeitos com as aparências e perdemos a substância. Ocorre também com as pessoas e com as situações que vivemos.

O evangelho deste domingo é a continuação do trecho proclamado na semana passada. Jesus ainda está em Nazaré e o povo fica encantado com as suas palavras.  Devem ter pensado: se, como dizem, este homem tem poderes extraordinários, ele é dos nossos e vai fazer o que nós queremos. A eles não interessava quem era Jesus de verdade, quem o tinha enviado e por quê. Queriam curas, milagres, nada de questionamentos ou compromissos. No entanto Jesus tinha muito mais para lhes dizer. O amor de Deus que ele ensinava não podia ficar exclusivo para uma só aldeia, para um só povo. O Reino de Deus que ele anunciava e resgatava era, e é, muito maior porque é para todos. Com efeito, Deus não distribui privilégios porque quer a fraternidade. Não distingue ninguém com vantagens e regalias porque quer a partilha e a comunhão. O amor do Pai que Jesus manifestava devia chegar até os confins da terra. Todos os pobres e sofredores deviam poder ouvir e acreditar na boa notícia que o Filho amado vinha  comunicar. Todos deviam poder participar da alegria dos pequenos aos quais sempre são desvendados os segredos de Deus.

Se os moradores de Nazaré tivessem acolhido as palavras de Jesus poderiam ter sido os primeiros praticantes do Reino, os primeiros construtores da paz e da justiça. Um exemplo para todos. Mas não foi assim, não quiseram acreditar no profeta que tinha saído deles e que agora os convidava a segui-lo numa missão tão grande, tão nova e… tão perigosa. É sempre muito arriscado querer mudar o mundo e dizer coisas diferentes.  – Quem ele acha que é? – devem ter pensado – Melhor acabar logo com este exaltado antes que faça maiores estragos com as suas ideias e o seu modo de agir! -.  A tentativa de matar Jesus, jogando-o no precipício foi somente uma antecipação do que um dia irá acontecer com ele e o que sempre muitos tentam fazer quando a luz e a esperança do Evangelho interferem nos seus planos tenebrosos de orgulho e de poder.

“E a luz brilha nas trevas e as trevas não conseguiram dominá-la” escreve São João no prólogo do seu evangelho. A luta entre a luz e as trevas continua também na vida de cada um de nós. Quantas vezes achamos melhor apagar esta luz. Mas o resultado é desastroso. Sem a luz de Deus, sem a luz da fé e do amor só podem ganhar o mal, a desordem e a confusão. Como naquele reino onde, sem a luz do sol, a meridiana parou de funcionar. E a ruína foi grande.

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