Artigo dominical – O livro chinês

O livro chinês
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

O menino foi o que conseguiu ler melhor e ganhou uma medalha na escola. Voltou para casa todo cheio de si e correu logo para a cozinha. Lá estava a velha empregada preparando o almoço. Olhando para ela, com ar de superioridade, o pequeno lhe apresentou um livro e lhe disse:
– Dona Maria, aposto que eu sei ler melhor que a senhora.
A cozinheira pegou o livro nas mãos, o revirou todo, mas depois disse:
– Bom, meu filho, eu…eu…não sei ler.

– O pequeno ficou atônito e, mais empolgado ainda, correu onde estava o pai e exclamou:

– Ó pai, a dona Maria não sabe ler. Ela que é tão velha. E eu tão pequeno já ganhei uma medalha. Deve ser horrível não saber ler, não é verdade papai?

– O pai sorriu para o filho e, depois, com toda tranquilidade, pegou um livro na estante da sala e o apresentou ao menino.

– Meu filho, foi maravilhoso você ter ganhado uma medalha, mas agora, por favor, leia este livro para eu ouvir o que sabe fazer mesmo. Vamos, leia!

– O rapaz pegou o livro, olhou bem, mas via somente um monte de rabiscos. Levantou o olhar para o pai e disse:

– Não posso. Eu não entendo nada do que está escrito aqui.

O pai, atencioso, respondeu:

– É um livro escrito em chinês. Meu filho, você ainda tem muito para aprender.

O menino era bom e inteligente. Não pensou duas vezes, foi pedir desculpa à velha empregada e nunca mais se gabou de quem não sabia fazer alguma coisa.

Com o primeiro Domingo de Advento, temos a impressão de recomeçar tudo de novo. Certo. Cada ano nós repetimos o ciclo das grandes festas litúrgicas. Temos mais variedade nos trechos da Palavra de Deus, mas fundamentalmente os grandes momentos são os mesmos. O Advento prepara o Natal. A Quaresma prepara a Páscoa e depois de 50 dias temos o Domingo de Pentecostes. Após alguns meses do Tempo, chamado, Comum, será de novo Advento e assim toda vez. É mera repetição ou tem algo de diferente? É um ciclo que se repete, é verdade, mas estaria muito enganado quem pensasse saber tudo e deixasse, assim, de aprender mais e melhor.

A continuidade da mensagem é evidente: a Igreja não pode mudar a sua missão. Não tem outro Jesus para ser anunciado; somente o mesmo, ontem, hoje e sempre; aquele que nasceu, viveu fazendo o bem, foi crucificado e no terceiro dia ressuscitou. Nós, cristãos, acreditamos num Deus vivo, que se fez conhecer e continua a caminhar com seu povo. É possível encontrá-lo, conhecê-lo e amá-lo. Se tivesse querido que nós fossemos meros cumpridores de normas, teria dado uma lei, uma vez por todas, mas ele quis ser um de nós, quis nos ensinar a viver e quer que sejamos seus amigos, filhos amados no único Filho. Nós acreditamos que “Jesus é o Senhor”, mas também que Deus é Jesus, ou seja, no homem, Jesus se manifestou a própria vida de Deus, o seu jeito, se assim podemos dizer. Jesus foi confiança total no Pai, humildade e grandeza, busca e perdão da ovelha perdida, se fez o último, pecado, vergonha na cruz, para ser o primeiro de muitos irmãos vencedores do ódio, da violência e da morte.

Se quisermos seguir Jesus e aprender com ele os segredos da vida, humana e divina, aceitamos felizes sermos seus eternos discípulos aprendizes, sempre prontos a recomeçar, a mudar, a nos corrigir. A boa notícia de Jesus, que é o amor de Deus para com todos, deve ser anunciada e comunicada para que a humanidade inteira encontre o caminho da paz e da solidariedade. No entanto, antes, é preciso nos convencermos do valor e da força desta boa notícia. De outra forma, seríamos maus comunicadores, falaríamos de um jeito e agiríamos de outro. Podemos enganar algumas vezes, mas um dia seremos desmascarados na nossa falsidade, porque estávamos mais interessados em nós mesmos do que na missão que Jesus nos entregou. Testemunhas de fachada, vazios.

Um detalhe: é possível, sim, ler a Palavra de Deus, mas ela é mais do que um simples livro. Para ser entendida, mesmo, precisa ser praticada. Assim ganharemos muito mais do que uma medalha da escola, ganharemos a vida.

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