De quando os vizinhos eram os parentes mais próximos

Naquele tempo vizinhança era uma grande família. Falava-se que o vizinho era o parente mais próximo. E isso fazia muito sentido, pois qualquer sufoco – não importava a hora – recorria-se primeiramente ao vizinho.
Uma dor à noite? Corre lá no vizinho pra ver se ele tem um analgésico ou um chazinho.
Acabou o açúcar na hora de fazer o café? Ninguém ia tomar café amargo. “Menino, pega uma xícara e vai lá na vizinha pedir emprestado um pouco de açúcar”.
Ia  viajar e era dificil pegar taxi? (Naquele tempo se chamava carro de praça). O vizinho que tinha carro se prontificava a levar o viajante ao aeroporto.
Ia sair e não ficaria ninguém casa? Era só deixar a chave na casa do vizinho que o primeiro que chegasse ia lá pegar.
E aniversário de vizinho hein? Todo mundo queria ajudar a fazer a festa. Uma vizinha fazia o bolo, outra oferecia o vatapá, outra fazia o risoto e outras se ofereciam para moer a maniva da maniçoba… os homens ajudavam a botar a cerveja pra gelar naqueles enormes barris com imensas pedras de gelo e moinha. A moinha que um já tinha ido buscar na véspera numa serralheria.
Quando chegava um novo vizinho ele tratava logo de se apresentar indo de casa e falando: “Sou fulano de tal, estou me mudando hoje pra cá com minha família, trabalho nisso e naquilo e estou me colocando às ordens.”
A vizinhança mandava logo um bolo, ou qualquer outra guloseima, para os “novos parentes” como manifestação de boas vindas.
Era o tempo de cadeiras na calçada (não havia assaltantes) em animadas rodas de conversa enquanto as crianças brincavam de bombaqueiro, caí no poço, bandeirinha, tome esse anelzinho não diga nada a ninguém, esconde-esconde…
Todo mundo se conhecia, se gostava, se ajudava, repartia os frutos dos quintais.
Hoje praticamente os vizinhos não se conhecem, sequer se cumprimentam.
Lembrei disso porque ainda tenho alguns vizinhos “parentes mais próximos”. Dia desses, minha vizinha Josy – que tem coqueiros em seu quintal – bateu à minha porta com um cacho de côco. “Côco do Chicola, vizinha”. E tem também o Janjão que volta e meia me traz sapotilhas do seu quintal ou uma porção de cação cozido feito por ele.

(Alcinéa Cavalcante)

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