Mãe, eu queria ser seu neto – Ruben Bemerguy

Mãe, eu queria ser seu neto
Ruben Bemerguy

Mãe, eu queria ser seu neto.

Não que eu creia que os netos sejam mais amados pelos avós do que foram ou são amados os filhos, ou algo parecido. Não. A lógica do amor desses amores – se é que o amor tem alguma lógica – aproxima intensidades sem-segundos e, ao contrário, até os unifica. Dois são um, embora sejam dois e não um.

Mãe, eu queria ser seu neto porque eu queria ser criança duas vezes. Uma vez só não me bastou. Nem sei se devo condenar – ou pedir desculpas – as longas tranças do tempo, mãezinha, mas não posso prescindir de desejar ser criança duas vezes. Não. Não com a mãe que tive.

Tivesse sido eu, por exemplo, filho da Rainha Elizabeth, mãe, e não reclamaria – nem pensaria nisso – o capricho de também ser, além de filho, neto, e, assim, teria me bastado ser criança uma vez só, filho fosse eu da Rainha Elizabeth.

As Rainhas, inclusive Elizabeth, veem o mundo sob uma perspectiva psicológica tão egoica que filhos e netos, antes de filhos e netos, são súditos. Daí, mãe, que as Rainhas, se se prestar bem atenção, aprisionam as liberdades já no útero e, com domada timidez, vivem a acenar ao vento como a cumprimentar a si mesmas.

Que coisa, mãe!

Nunca vi, e nunca vi ninguém que viu, uma Rainha de cócoras brincando com os filhos ou com os netos. Nunca vi, e nunca vi ninguém que viu, uma Rainha abraçando e beijando os filhos ou abraçando e beijando os netos. Nunca vi, e nunca vi ninguém que viu, uma Rainha medir a temperatura dos filhos ou dos netos.

Nunca vi, e nunca vi ninguém que viu, uma Rainha brincar de “bole-bole”, de “trinta e um alerta”, de “macaca”, ou de “Queimada” com filhos ou netos. Boca de forno, mãezinha, nem em fantasia. A senhora lembra, né? “Boca-de-Forno…Forno… Jacarandá?… Dá… E Se Não Der? …Apanha Um Bolo”.

Mãe, imagine se as Rainhas soubessem fazer tacacá, mugunzá, beijo de moça, cocada e uma fogueira de São João! Mãe, imagine se as Rainhas soubessem se perder no caminho da fazendinha, se soubessem se achar na cor do Curiaú?

Fazer tricô, mãe! Tricô, mãezinha – feito à mão – é um imperativo a qualquer Rainha. Rainha que não sabe tecer não tem novelo para o trono e, então, não é Rainha.

Por isso, mãezinha, o sinônimo da palavra Rainha, para mim, sem alterar em nada seu significado, é Helena. Se desenhasse a palavra Rainha a partir de uma figura de linguagem, quase que uma onomatopeia, a palavra Rainha seria decorada com som de seu nome: Helena.

Minha sorte, mãezinha, é que sendo a senhora uma Rainha de verdade, e como as Rainhas de verdade não estão sujeitas à morte, posso, na infinidade da minha crença, me reapresentar como criança sempre que sentir saudades suas, seja como filho, seja como neto.

Tudo isso porque eu queria mesmo, minha Rainha, além de filho, ser seu neto.

(Ruben Bemerguy é advogado e membro da Academia Amapaense de Letras)

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