Poesia premiada de Leão Zagury

Cozinha
Leão Zagury*

às vezes, muito poucas,
vou à cozinha e me deparo com o forno de micro-ondas,
com a máquina de fazer café e a geladeira.
áridos
volto à da minha mãe.
reconheço o cheiro de café torrado.
vejo o fogão à lenha e uma panela grande
onde se destacam o amarelo do tucupi,
as folhas verdes de jambu e uma coxa de pato.
reconheço o gosto da tapioca com manteiga e do tambaqui na brasa.
na mesa, sobre um prato, branquinho como algodão, polpa de bacuri.
não se comia manga com leite, fazia mal.
antes de sair saboreio vinho de cupuaçu com pedaços agridoces bem grandes.
quente

o caldo amarelo borbulhante onde navega
a carne e a pele do animal
que alimenta minhas vísceras
cheias de passado e repletas de solidão
dissemelhantes

do branco e do agridoce
sonho desalmado e triste
que me afoga no presente inacabado
e dá gosto amargo às frutas que comi.

(Poema publicado na Coletânea de Poesia — Prêmio OFF FLIP 2020)

*Conceituado médico e renomado poeta e cronista, Leão Zagury é de tradicional família amapaense. Tem vários livros publicados. Há muitos anos mora no Rio de Janeiro.

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