Hoje – Centenário do nascimento do poeta e jornalista Alcy Araújo

Alcy Araújo Cavalcante – o poeta do cais, dos anjos, das borboletas, do jardim clonal, dos marinheiros e de tudo que merece ser amado – nasceu no distrito de Peixe Boi (PA), no dia 7 de janeiro de 1924.
Criança ainda transferiu-se com a família para Belém, vivendo depois em pequenas cidades da região norte para onde seu pai, Nicolau Cavalcante, era destacado para implantar os serviços de Correios e Telégrafos.
De retorno a Belém, Alcy cursou a Escola Industrial tornando-se mestre marceneiro e de outras especialidades relacionados ao ofício, que exerceu por algum tempo.

“Canto a terra, a dor dos aflitos
e a inútil esperança dos desesperançados.
Também os negros, os índios e o verde
e presto relevantes serviços topográficos
demarcando itinerários de poesia.”
Alcy Araújo

No entanto o talento literário, a vocação pelo jornalismo e um precoce desenvolvimento intelectual levaram Alcy a trocar a bancada da oficina pela escrivaninha do jornal, em 1941, com 17 anos de idade. Por mais de uma década trabalhou nos principais jornais do Pará como repórter, articulista, redator e chefe de reportagem, entre eles a Folha do Norte, O Estado do Pará e O Liberal.
Veio para o Amapá na década de 1950 a convite do governador. Aqui exerceu importantes cargos, assessorou vários governadores, dirigiu jornais, lutou pela emancipação política e administrativa desta região, combateu a exploração dos recursos naturais, fez importantes trabalhos de pesquisa sobre rizicultura, erosão dos solos, pesca no litoral, entre outros.
Ele foi o primeiro jornalista amapaense a participar como delegado de um Congresso Nacional de Jornalistas. Isso aconteceu em setembro de 1957. Foi VII Congresso que marcou o cinqüentenário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Contudo, acredito que a maior contribuição dele ao Amapá deve ser aferida pela sua imensa e constante participação na vida intelectual e artística – tanto através da imprensa, como nos demais instrumentos e instâncias da cultura amapaense.
Amante das artes, foi ele que lutou, ao lado de R.Peixe, pela criação da Escola de Artes Cândido Portinari e do Teatro das Bacabeiras.
Fez parte da Academia Amapaense de Letras ocupando a cadeira 25.
Na música, Alcy – tendo como parceiro Nonato Leal – venceu vários festivais, inclusive o I Festival Amapaense da Canção.
No carnaval, compôs belíssimos sambas de enredo para a Embaixada Cidade de Macapá e Maracatu da Favela, recebendo, todas as vezes, a nota máxima dos jurados.
“Aqui estão as minhas mãos, falando palavras feitas de pássaros e
de ausências e cantando canções sonhadas em segredo.” (Alcy Araújo)
Junto com Álvaro da Cunha, Ivo Torres, Arthur Nery Marinho e Aluízio da Cunha, movimentou o segmento cultural amapaense criando clubes de arte, promovendo noites lítero-musicais, apoiando artistas plásticos, músicos, poetas e escritores, fundando e dirigindo revistas culturais difundindo a cultura do Amapá por este Brasilsão, entre mais tantas coisas que deixariam imenso este texto se fossem listadas aqui.
“Ele foi um dos mais macapaenses de todos os paraenses que ajudaram a desenvolver o Amapá”, escreveu certa vez o jornalista Hélio Penafort.
Foi editor, noticiarista, diretor, colunista, articulista e editorialista de vários jornais amapaenses. Jornalista emérito, arguto analista  dos problemas sócio-econômicos do Amapá, foi na poesia que Alcy Araújo universalizou mais profundamente seu talento. É um dos poucos poetas do Norte a figurar na “Grande Enciclopédia Brasileira Portuguesa”, editada em Lisboa. Está também nas enciclopédias “Brasil e Brasileiros de Hoje” e “Grande Enciclopédia da Amazônia” e em tantas outras obras como “Introdução à Literatura”, “Poesia do Grão Pará”, Antologia Internacional Del Secchi, Coletânea Amapaense de Poesia e Crônica, Antologia Modernos Poetas do Amapá e coletânea “Contistas do Meio do Mundo”.
Em 1965, pela Editora Rumo, foi lançado seu primeiro livro: Autogeografia (poemas e crônicas). Em 1983, comemorando os 40 anos de Alcy dedicados à poesia, a Editora do MEC lançou no Rio de Janeiro seu livro “Poemas do Homem do Cais” e em 1997 foi lançado pela Associação Amapaense de Escritores o livro “Jardim Clonal”.
Em 2021 a Prefeitura de Macapá editou e lançou o seu livro “Ave Ternura” e reeditou o “Autogeografia”.
Numa noite de sábado, 22 de abril de 1989, Alcy Araújo partiu para o cais definitivo levado pelas mãos do seu Anjo da Guarda. Partiu deixando inéditos, prontinhos para publicação, os livros “Histórias Tranquilas”, “Cartas pro Anjo”, “Mundo Partido”, “Terra Molhada”, “Tempo de Esperança”, “Poemas pro Anjo do Natal”, entre outros.
Alcy Araújo Cavalcante, meu pai, tinha a alma pura, de criança que acredita no Natal e na Esperança e assim cheio de esperança colocou sua poesia a favor da luta por um sociedade melhor, livre das desigualdades e das injustiças.
Participação
Alcy Araújo
Estou convosco.
Participo dos vossos anseios coletivos.
Vim unir meu grito de protesto
ao suor dos que suaram
nos campos e nas fábricas.
Aqui estou
para juntar minha boca
às vossas bocas no clamor pelo pão
sancionar com este rumor que vai crescendo
a petição de liberdade.
Estou convosco.
Para unir meu sangue ao sangue
dos que tombaram
na luta contra a fome e a injustiça
foram vilipendiados em sua glória
de mártires
de heróis.
Vim de longe
percorrendo desesperos.
Das docas agitadas de Hamburgo
das plantações de banana da Guatemala
dos seringais quentes do Haiti.
Vim do cais angustiado de Belém
dos poços de petróleo do Kuwait
das minas de salitre do Chile
Passei fome nos arrozais da China
nos canaviais de Cuba
entre as vacas sagradas da Índia
ouvindo música de jazz no Harlem.
Afundei nas geladas estepes russas.
morri ontem no Canal da Mancha
e hoje no de Suez.
Tombei nas margens do Reno
e nas areias do Saara
lutando pela vossa liberdade
pelo vosso direito de dizer
e de amar.
Estou convosco.
Voluntariamente aumento o efetivo
dos que não se conformam
em viver de joelhos
morrendo sufocando lágrimas
nas frentes de batalha
nas prisões
para dar à criança recém-parida
o riso negado aos vossos pais
o pão que falta em vossas mesas.
Meu filho
e o filho do meu filho
saberão que o meu poema não se omitiu
quando vossas vozes fenderem o silêncio
e ecoarem nos ouvidos de Deus.

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