Artigo dominical

João o mendigo
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Num centro para mendigos e moradores de rua, um alcoólatra de nome João, considerado até então um beberrão irrecuperável, ficou tocado pela generosidade dos voluntários do centro, e mudou completamente de vida. Tornou-se a pessoa mais serviçal de todas. Dia e noite, João ajudava incansavelmente. Nenhum serviço era humilde demais para ele. Podia ser a limpeza de um quarto, onde algum bêbado tinha passado mal, ou esfregar os banheiros imundos.

João fazia tudo o que lhe pediam sorrindo e visivelmente agradecido porque  era-lhe permitido ajudar. Sempre era possível contar com ele, quando precisava dar comida na boca de alguma pessoa extremamente fraca ou tirar o agasalho e colocar para dormir alguém que já não dava mais conta de fazer isso sozinho.

Uma tarde, o capelão do abrigo falou ao grupo dos presentes sobre a necessidade de pedir a Deus força para mudar. De repente um homem levantou, aproximou-se do altar, caiu de joelhos e começou a gritar:

– Ó Deus! Faça que eu me torne como João! Faça que eu me torne como João!

O padre aproximou-se dele e lhe disse:

– Ó meu filho, talvez fosse mais certo você pedir: Faça que eu me torne como Jesus!

– O homem olhou para o capelão e com jeito de quem não entende bem perguntou: Por quê? Jesus é como João?

Uma história simples e de mendigos para imaginar como seria o mundo se nós cristãos fôssemos confundidos com Jesus. Com certeza não pelos discursos e nem pelos milagres, mas simplesmente pelas atitudes amorosas de serviço e fraternidade.

A página do evangelho deste domingo é a continuação de outra muito conhecida: a dos discípulos de Emaús. Após terem reconhecido Jesus ao repartir o pão e terem admitido que as palavras dele tinham aquecido e reanimado o seu coração triste, voltaram imediatamente para Jerusalém. Desta vez foi no meio da comunidade reunida que Jesus vivo e ressuscitado apareceu para explicar os acontecimentos e enviar todos eles em missão. Várias vezes os evangelhos dizem que antes da paixão, morte e ressurreição de Jesus, os discípulos não entendiam bem o sentido de tudo aquilo, mas agora, aos poucos, as coisas iam se clareando. Tudo o que tinha acontecido podia ser explicado com as Escrituras e fazia parte de um maravilhoso plano do amor de Deus.

Aquele pequeno grupo que tinha conhecido e seguido Jesus naqueles anos chegou à conclusão que o agir e o falar dele só podiam ser o agir e o falar de Deus. Nos gestos e palavras de Jesus, na sua morte na cruz e na sua ressurreição era possível afirmar a presença do Pai. Em Jesus, Deus tinha manifestado toda a sua vontade, tudo o que ainda faltava dizer à humanidade para que acreditasse. A certa altura, aqueles poucos homens e mulheres se sentiram tão amados por Jesus, tão seguros de sua fé nele, que não conseguiram mais guardar para si a boa notícia e saíram pelo mundo afora para anunciar o jeito novo de viver e morrer de Jesus. Quem o seguisse no caminho da cruz, passando pela porta estreita da doação da própria vida para servir aos irmãos, também um dia teria parte da sua ressurreição. A novidade de tudo aquilo era tão grande que, diz o evangelho, eles tinham dificuldade de acreditar de tão alegres e surpresos que estavam. A fé não pode ser triste, como também não pode deixar de ser surpreendente, porque, se assim não fosse, deixaria de ser fé e se tornaria simples raciocínio, ideologia ou explicação humana.

Eles deviam ser testemunhas da “novidade” Jesus. Mas como? Anunciando, no nome dele, a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações (cf. Lc 24,47). De lá até hoje nunca mais a comunidade dos cristãos deixou de obedecer à ordem de Jesus: testemunhar tudo aquilo, comunicar em todo lugar e a todas as gerações o que Jesus tinha dito e feito. A história da comunidade de Jesus, que nós chamamos de Igreja, está aí, com os seus altos e baixos, com os seus santos e os seus pecadores.

A Boa Notícia de Jesus nunca mais parou. Os tempos mudaram, mas ao coração humano, que busca o sentido da vida e da morte, do bem e do mal, da alegria e do sofrimento, os exemplos continuam a falar mais do que as palavras.

O mundo continua precisando muito de testemunhas que vivam o que afirmam acreditar. Somente outros tantos “Jesuses”, em carne e osso, podem convencer os outros a vencer os medos e as dúvidas e acreditar, de coração sincero, na bondade do Pai.

Precisamos de mais e mais “Joões” como aquele mendigo do abrigo da historinha. A quem pede para ver Jesus, todos os cristãos deveriam poder responder: – Olhe para mim – Ao menos um pouco da “novidade” de Jesus deveria ser visível em nossa vida. Este e somente este é o nosso primeiro testemunho. Depois vem o resto.

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