Artigo dominical

Três barras de chocolate
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

– Se quiser entrar na nossa gangue deve fazer o que eu mando – falou o chefe do grupo.

Alex queria muito fazer parte da turma, mas estava com medo: nunca havia roubado antes.

– Existe sempre uma primeira vez. – insistiu o chefe – Você não tem escolha.

– O plano é este: – explicou o vice – Nós vamos distrair o velho e você esconde o chocolate no bolso, simples! Se não o fizer é porque você é um covarde medroso.

– Não sou, não – respondeu Alex – vamos lá!

Os três entraram na mercearia onde o velho dono vendia de tudo. O chefe e o vice começaram a olhar as diversas mercadorias, depois perguntaram o quanto custava o tal caderno, a tal caneta e assim por adiante. Do outro lado da mercearia Alex já podia fazer desaparecer algumas barras de chocolate e encher os bolsos. Antes de sair, pagaram o caderno e ainda ganharam umas gomas para mastigar, que o velho dono dava a todas as crianças. Já de fora, correram para se esconder e comer em paz o fruto do golpe.

– Agora você é um dos nossos – proclamou o chefe.

Na manhã seguinte, quando saiu da escola, Alex entrou novamente naquela mercearia. Estendeu ao velho dono uma nota e disse:

– Três barras de chocolate.

– Pode pegar Alex – respondeu o ancião.

– Já as peguei ontem – respondeu o menino – tive que fazê-lo, foi uma prova de coragem.

– O velho pegou a nota, deu-lhe o troco, o chiclete também, e lhe disse:

– Esta, de hoje, foi a sua verdadeira prova de coragem!

Fazer o que muitos outros fazem nos dá segurança; e isto não vale somente para jovens e crianças. Quando estamos em grupo gritamos mais forte, cantamos e, às vezes, dizemos coisas que não teríamos coragem de repetir em casa. Isso acontece num estádio, numa manifestação, num show. No meio da multidão, perdemos a identidade – porque ninguém nos conhece – em troca ganhamos a coragem de fazer loucuras. Temos a impressão que as emoções se multiplicam, choramos e rimos mais, deixamo-nos conduzir pelos outros. Quem começa, ninguém sabe, e nem interessa saber; todos mandam e todos obedecem; a multidão parece uma pessoa só, enfeitiçada. O lado positivo de tudo isso é que também o povo e os pobres, sobretudo, podem manifestar juntos com mais vigor as próprias insatisfações e indignações. A fé também tem os seus momentos de massa. Contudo não podemos nos deixar sempre conduzir pelos outros ou esperar fazer as coisas porque os outros as fazem. No meio da multidão, não podemos desistir da nossa consciência e das motivações pessoais que nos levaram a agir daquela maneira, a participar daquele evento.

No evangelho deste domingo, Jesus olha com compaixão a numerosa multidão que o esperava porque “eram como ovelhas sem pastor”. O povo havia corrido e chegado antes de Jesus e dos apóstolos. O que estavam buscando? O que queriam? Talvez ainda não o soubessem, mas não desistiam de procurar. Em resposta receberam as muitas coisas que Jesus começou a ensinar.

Ainda hoje, uma multidão que se desloca ou que se reúne é sinal de busca. Estão procurando algo, ou têm algo para gritar, que está entalado na garganta. Talvez ainda falte o pastor ou, temos a impressão, são tantos os que se oferecem para orientar e ensinar ao povo, que este fica mais ainda desnorteado. Quando tudo se torna relativo ou confuso é ainda mais difícil discernir quem diz a verdade e quem mente, quem quer o bem do povo e quem quer aproveitar da boa fé dele. Por isso, estar no meio da multidão não significa abdicar da nossa responsabilidade, desistir da própria opinião ou renunciar a uma opção pessoal de fé. Uma comunidade verdadeira não é massa uniforme; ela promove as pessoas e não as anula para que sobressaia m somente alguns líderes iluminados.

Para não perder a nossa identidade, precisamos de momentos de silêncio e de reflexão. Somente interiorizando emoções, sentimentos, anseios, esperanças e fé, podemos manter a nossa personalidade e, com ela, a liberdade de escolha. É justamente para não serem “como ovelhas sem pastor” que Jesus leva os seus amigos para um lugar deserto e afastado. O descanso é também para refletir e enxergar melhor o Pastor a quem querem seguir.

Para entrar no grupo, o nosso amiguinho Alex roubou o chocolate, é verdade, mas depois voltou para pagar. Não se escondeu e nem culpou os outros; a voz da sua consciência falou mais alto.

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