Artigo dominical

Um Papa fotogênico?
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Antes dos dias do Conclave, do qual saiu eleito o papa Francisco, o repórter de um programa humorístico da televisão brasileira perguntou a um dos cardeais desta nossa terra: “Se é o Espírito Santo que escolhe o Papa, o que estão fazendo ali dentro tantos cardeais?”. Não sabemos se houve resposta do cardeal; ela foi cortada. Também aquele repórter, com certeza, não era o mais interessado em querer ouvi-la. Melhor assim porque não teria sido nada fácil explicar a ação de Deus a quem, talvez, pouco ou nada acreditava.

Confiar na ação do Espírito Santo, para nós cristãos, não significa dispensar a mediação humana. Se Deus não usasse meios humanos para se comunicar, qualquer mensagem dEle seria simplesmente incompreensível. Não está errado, portanto, dizer que Deus aceita as limitações humanas para poder ser entendido e, com isso, também amado por nós que somos condicionados pelo tempo e pelo espaço. Em Jesus, Deus se conformou às fraquezas humanas até a morte para poder reconduzir a humanidade ao seu encontro. Não podia ser diferente para a Igreja que tem uma missão divina, mas é formada por pessoas concretas com as qualidades e os defeitos que todos nós carregamos.

Precisamos lembrar tudo isso porque, de outra forma, não entenderíamos a maravilhosa mensagem do evangelho deste domingo.  O humano e o divino se entrelaçam continuamente. Os apóstolos eram pescadores antes de seguir o Senhor. Voltaram ao seu trabalho, fadigoso e incerto. Não pescaram nada, mas o desconhecido na beira do lago manda jogar a rede de novo. Confiaram e a pesca foi extraordinária. No entanto a rede não se rompeu. Jesus tinha dito a eles que iam ser “pescadores de homens”. A nova comunidade de Jesus crescerá; novos membros chegarão a acreditar; ficarão unidos pela fé, pela esperança, pela novidade do Evangelho.

Muito humana é também a necessidade de comer; todos os dias precisamos nos alimentar. Isso vale também para os discípulos de Jesus, ele sempre lhes prepara uma mesa para que na comunhão e na partilha nunca percam a coragem de viver e anunciar a vida nova da fraternidade e da paz. É a Eucaristia que nos alimenta, fortalece e nos envia em missão para que o mundo todo se torne “um só coração e uma só alma”.

No final temos o chamado de Pedro para apascentar o rebanho de Jesus. Três vezes ele precisa repetir que ama o Senhor. A fraqueza que manifestou nos dias da paixão está sendo transformada agora pelo amor. Finalmente Pedro entendeu que devia se deixar amar primeiro por Jesus, para poder amá-lo também. Na noite da ceia, ele não queria que Jesus lhe lavasse os pés. No jardim, estava disposto a lutar por ele. Pedro queria salvar o Senhor. Agora entende que foi Jesus a salvá-lo, derramou o seu sangue também por ele, pobre pescador da Galiléia. Este Jesus que o amou tanto pede agora o seu amor como resposta generosa até ser conduzido onde nem imaginava e nem queria ir. Em todo gesto de amor tem algo de humano, mas também tem muito de divino.

Às vezes as fraquezas humanas obscurecem a ação divina, outras vezes são, justamente, as limitações humanas que revelam a grandeza da obra de Deus. Isso é maravilhoso porque nos lembra que a Igreja não evangeliza para promover a si mesma, para aumentar o seu prestígio e o seu poder. Ela, toda, é a primeira servidora do Evangelho.

Conta uma anedota que Papa João XXIII estava bem cansado, após uma longa sessão de fotos oficiais e menos oficiais, e pensava no resultado dessas fotos. Ao encontrar o famoso bispo americano Fulton Sheen, conhecido pelo uso que fazia da televisão como um novo instrumento de evangelização, disse a ele: “O bom Deus sabia, há setenta e sete anos, que eu iria me tornar papa. Não poderia ter-me feito um pouco mais fotogênico?”.

É que o Espírito Santo não escolhe pela beleza, escolhe pelo amor.

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