Artigo dominical

Nas costas do discípulo
D. Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Seguindo uma antiga tradição São Jerônimo, o famoso santo que tanto trabalhou para um melhor conhecimento da Bíblia, no seu comentário à Carta aos Gálatas, narra que o apóstolo João, já muito velho, fazia-se levar nas costas por um discípulo para poder participar das assembleias litúrgicas. Não tinha mais condição de fazer a homilia e se limitava a dizer estas simples palavras:

– Filhinhos, amai-vos uns aos outros.

Certo dia, os irmãos, cansados de ouvir sempre as mesmas palavras, resolveram lhe perguntar por que continuava a repeti-las. João respondeu:

– Porque este é o mandamento do Senhor e se fosse o único a ser cumprido já seria suficiente!

Também nós ouviremos, no evangelho deste domingo, as palavras bem conhecidas de Jesus: “Amai-vos uns aos outros!”. O que parece repetitivo, de fato, é sempre o maior desafio para nós cristãos. Digo isso não somente porque amar de verdade não é tão simples, banal e espontâneo, como, às vezes, pensamos, mas também porque Jesus nos pede para amar como ele nos amou e, assim, este amor fraterno se torna o sinal visível de sermos, ou não, seus discípulos.

Para entender o amor de Jesus não basta lembrar a sua morte na cruz. Ele falou e agiu a vida inteira com amor e por amor. Os Evangelhos foram escritos para nos ajudar a entender e acreditar que Jesus estava nos fazendo conhecer o jeito de amar de Deus. Um Pai amoroso sente compaixão por seus filhos, acolhe-os e os perdoa. Um Pai aponta o caminho para os filhos e é o primeiro a percorrer este caminho. Jesus não somente ensinou que não tem amor maior do que aquele de quem dá a vida pelos seus amigos; ele amou a todos até o fim, até os inimigos aos quais perdoou na cruz. Todos os gestos, sinais, ou “milagres”- se preferirmos- de Jesus manifestaram um homem capaz de entender as aflições dos outros, de estar ao lado de quem sofre na vida. Com isso ele nos ensinou que Deus sempre está conosco e nunca nos abandona, também se respeita a nossa liberdade ao ponto de poder ser rejeitado e traído. Celebrando a Eucaristia os primeiros cristãos não somente obedeciam ao mandamento de Jesus de repetir aquele gesto em sua memória; sabiam que assim era possível continuar a reconhecer, encontrar e experimentar o inesgotável amor de Deus.

Por consequência, os discípulos de Jesus antes de formar algo visível, mais ou menos organizado, devem ser uma comunidade fraterna capaz de continuar a comunicar o que ele ensinou, não por meio de palavras arrebatadoras ou discursos eloquentes, mas com a vivência daquilo que está sendo pregado. Foi pelo exemplo das primeiras comunidades, pela coragem dos mártires, pela fidelidade dos pequenos que a mensagem de Jesus se espalhou e chegou até nós.

Não podemos ter nenhuma dúvida que o mandamento do amor que Jesus nos deixou será sempre atual e decisivo para o crescimento das suas comunidades. Cada época cria novas formas de egoísmo. Ao lado da sede de poder e de riqueza dos poderosos – que sempre existiu e que contagia também os pobres – hoje podemos reconhecer na busca do bem-estar individual, na indiferença diante dos problemas sociais e na armadilha do consumo, algumas das novas situações que exaltam a defesa dos próprios privilégios e, portanto, conduzem ao esquecimento do bem comum e à incapacidade de encontrar novos caminhos de justiça e de paz.

As nossas comunidades, os nossos grupos e movimentos deveriam brilhar pelo amor fraterno e pela alegre acolhida de quem chega. De fato, a cada geração é proposta a mensagem da fé, mas esta, sem a vivência da caridade, corre o perigo de ser reduzida a um conjunto mais ou menos compreensível de verdades. Sempre vamos precisar de alguém que nos repita, sem cansar, que devemos nos amar uns aos outros como Jesus nos amou. Sem isso ficaríamos irreconhecíveis, mas se praticássemos somente isso já estaríamos cumprindo a nossa missão.

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