Crônica do Sapiranga

Dia primeirio de junho, eu não respeito senhor!
Milton Sapiranga Barbosa

Neste primeiro de junho, como de costume, mesmo estando de férias, acordei as 6 da manhã.
Após agradecer a Deus pelo ótimo sono e por ver nascer mais um novo dia, assisti, no canal 96 da Via Embratel, as peripécias da dupla Tom e Jerry. A eterna briga do gato com o rato.
Durante o primeiro intervalo do desenho animado, percebi que Macapá estava silenciosa, muito silenciosa. Não se ouvia pipocar de fogos e nem a salva de tiros disparados pelos canhões da Fortaleza de São José de Macapá, acordando a cidade e homenageando o primeiro governador do Território Federal do Amapá, Janary Gentil Nunes, cujo aniversário é comemorado no primeiro dia do mês da quadra junina no Brasil.
Aí bateu uma tremenda saudade da Macapá de antigamente. Lembro que naquele tempo, o primeiro de junho, era repleto de comemorações, que iniciavam ao romper da aurora e varavam noite a dentro. Tinha churrasco, torneios de futebol, natação, festa na piscina territorial e em diversas sedes de clubes locais. Tinha marabaixo na casa da dona Gertrudes e do Mestre Julião Ramos. Todos prestando homenagem ao Governador do Amapá, inclusive imortalizado por Mestre Ladislau na cantoria que dizia: “Pra onde tu vás rapaz, por este caminho sozinho.? Vou fazer minha morada, lá prós campos do Laguinho” / Dia primeiro de junho, eu não respeito senhor, eu saio gritando vivas, ao nosso Governador” e por aí vai.
Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, gostou e gravou os versos de “Ladrão” de Ladislau.
Ao sentir que se aproxima a quadra junina, lembrei também das noitadas de festejos de Santo Antonio (13), São João (24), São Pedro (29) e São Marçal (se dizia São Marçá) no dia 30, encerrando as festividades da quadra junina.
Me vi outra vez, junto com meus amigos de infância, entre eles, Moacir, Pilão, Arideu, Dodoca, Zé Rodinha, Deodato, Mucura, Boquinha e tantos outros, percorrendo ruas e avenidas da Favela, em desabalada carreira para poder ter impulso e pular as fogueiras que eram acesas em frente de cada residência do bairro. Os adultos, sempre que percebiam que íamos pular, nos avisavam que era perigoso, que alguém podia se ferir. E eles tinham razão. Mas sabe como é moleque, não tem noção do perigo. Muitas vezes alguém errava o pulo, batia numa haste de lenha e ia ao chão, arranhando joelhos, mãos, cotovelos e alguns até ficavam com a cara esfolada. Era bonito de se ver o bairro iluminado por fogueiras armadas nos mais diversos tamanhos e com todo tipo de madeira disponível.
A minha querida mãezinha, preferia fazer a fogueira em frente de casa com galhos de muricizeiro, pois depois que a sirene da Usina de Força e Luz apitava avisando que eram 21 horas, ela apagava e no outro dia aproveitava o carvão para colocar no ferro de engomar (passar roupa) e os pedaços que não tinham sidos queimado totalmente, ela usava para cozinhar o feijão do dia a dia (até hoje não sei porque, o feijão cozido no fogão a lenha tem um sabor diferente, do cozido no fogão a gás. Será pelo cheiro da fumaça que entranha no caldo?. Ah, essa modernidade).
As vésperas e nos dias que os santos Antonio, João e Pedro são homenageados, nós saíamos pulando fogueiras até as existentes em bairros adjacentes (como Trem e Bairro Alto) por exemplo, mas no dia 30, nós nos aquietávamos. É que São Marçal é homenageado com fogueiras feitas de paneiros, muitos paneiros, que provocam altíssimas labaredas e aí sim, pular era por demais perigoso e só então acatávamos os conselhos dos mais velhos.
Puxa, como era bom naquele tempo. Ir de casa em casa e se deliciar com cuiadas e cuiadas de mingau de vários sabores, mas o preferido, não tenho dúvidas, era o de milho branco. Comer canjica, milho assado, milho cozido, tacacá, aluá e outras iguarias da época, era uma delícia só.
Naquele tempo o vizinho fazia questão da presença das comadres e compadres, muitos só de fogueira, naquela de: “Santo Antonio disse, São João confirmou, que o Milton há de ser meu afilhado, que Jesus Cristo mandou”. E não é, que mesmo sem ser abençoado por um padre, valia, se respeitava e tomava-se benção, sempre que se encontrava um padrinho ou madrinha de fogueira?.
As mulheres passavam fogueira e se travam de “ Meu Botão”, “ Minha Rosa”, “ Minha Flôr”, “Minha Boneca”, e depois só se tratavam por esses nomes, por toda a vida, sempre que se encontravam.
E as apresentações dos Bois Bumbás, com seus caçadores , índios, pagés, catirinas, etc, etc?. Tinham também exibições de cordões, sendo que o mais famoso deles foi o cordão do Uirapuru, na minha opinião, mas na verdade, todos eram bacanas de se assistir .
Meus olhos estão nublados por lágrimas saudosas que teimam em rolar face abaixo, não me deixando mais continuar minha viagem pela romântica, festiva, segura e bela Macapá de antigamente. Saudade, muita saudade dos bons tempos vividos, principalmente, na minha querida Favela.

(Essa crônica foi publicada pela primeira aqui no blog no dia 1 de junho de 2011)

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