Artigo dominical

Que pena!
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Gustavo era um menino bonito, alegre e sadio. Quando nasceu foi uma festa na sua família. A mãe tinha outras duas filhas maiores que cursavam o ensino médio. A chegada de Gustavo foi uma grata surpresa e, logo, ele se revelou um dom precioso para todos. Era uma criança doce, gostava de brincar e dava gosto tê-lo por perto. Certo dia, quando, mais ou menos,  tinha cinco anos, de repente ele parou de brincar e correu para perto da mãe querendo dizer-lhe alguma coisa. Como muitas vezes acontece com as crianças, ele disparou uma pergunta que pegou a mãe desprevenida:

– Mãe, quantos anos tinha a senhora quando eu nasci?

– Trinta e sete, Gustavo. Por quê? – perguntou a mãe, procurando entender o que se passava na cabeça da criança.

– Que pena! – disse Gustavo.

– O que quer dizer com isso? – insistiu a mãe. Gustavo a olhou com ternura, e abraçando-a disse:

– Mãe, pensa, quantos anos passamos sem nos conhecer?

Idéia de criança que não sabe das coisas, podemos dizer. Contudo um pensamento como o de Gustavo, não deixa de ter o seu fundo de verdade. Cada criança que nasce é uma novidade absoluta. Nunca teve alguém igual a ela antes, e nunca terá depois. Mais a criança cresce, mais esta absoluta novidade se revela, no jeito de pensar, de falar, de agir; na personalidade, nos afetos, nas manhas, também. Infelizmente nem sempre a novidade é tão bonita como os pais, os irmãos e os amigos gostariam, mas não deixa de ser única e irrepetível.

É por isso, também, que quando alguém nos pergunta se tivemos, ou não, a oportunidade de conhecer certa pessoa, se respondemos que sim, logo temos assunto para conversar. Podemos contar um fato acontecido entre nós dois, lembrar algo que caracterizava essa pessoa. Se a memória nos ajudar, apesar do tempo que pode ter passado, parece que foi ontem que conversamos com ela. O contrário, evidentemente, acontece quando não conhecemos a pessoa. Não adianta lembrar; quem não conviveu com ela não pode saber como é, ou como foi.

Ao chegarmos perto do Natal, a Liturgia nos convida a nos colocarmos ao lado de Maria, a mãe de Jesus, aquela que soube acolher e amar seu Filho, ao mesmo tempo tão esperado e tão novo. Os evangelistas que tentaram contar algo do nascimento de Jesus, juntando testemunhos e tradições, não puderam esconder a grande espera do povo de Israel, dos profetas, dos pobres e de toda a história da humanidade. Grande foi a espera, e maior ainda o desejo de conhecer Aquele que tantas vezes tinha sido anunciado e prometido. Espera e desejo, porém, ainda não são conhecimento; quantos séculos se passaram sem  que pudessem encontrar o Messias Salvador!

O nascimento – como toda a vida de Jesus – pegou a todos de surpresa. Somente o Pai sabia que aquela era “a plenitude dos tempos”, que aquele era o momento certo, e Maria a pessoa certa para o Filho nascer no meio de nós. Domingo passado, ouvimos novamente as palavras de João Batista: “No meio de vós está aquele que vós não conheceis”. Como é verdade! Tanta espera, tantos discursos, tantas promessas, mas ainda tanta necessidade de conhecer novamente o Senhor.

As coisas não mudaram muito. Quem esperava um messias triunfador ficou decepcionado com um Jesus manso e humilde, pronto a lavar os pés dos amigos. Quem queria alguém para resolver todos os problemas, ficou frustrado com as limitações que Jesus mesmo escolheu aceitando a natureza humana, inclusive a morte. Quem pensava poder negociar com o salvador e continuar a sua vida folgada, ouviu-o proclamar junto com as “bem-aventuranças também os “ais”. Quem aguardava um “grande”, teve que se ajoelhar na frente de uma criança.

Maria, nossa Senhora, é sempre um exemplo para nós. Ela pergunta, quer saber, quer entender, mas quando reconhece a grandeza do que estava para acontecer, ela pode apenas se abrir para acolher e amar Aquele que nunca deixará de ser o Outro, o diferente, o novo, o surpreendente para todos: o próprio Deus.

Vale a pena nos perguntarmos: quantos Natais já passamos? Quantas vezes ouvimos falar de Jesus e pensamos conhecê-lo o bastante? Se já temos familiaridade com Ele, não deixemos esfriar a nossa amizade; podemos conhecê-lo e amá-lo muito mais. Se for pela primeira vez, nunca é tarde para encontrá-lo, no silêncio do Presépio e na intimidade do nosso coração. O Menino Jesus vai sorrir a todos. Vai doar-se mais uma vez. Não percamos mais  tempo.

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