Razão de Ser – Paulo Leminski

Razão de Ser
Paulo Leminski

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Versos Íntimos – Augusto do Anjos

Versos Íntimos
Augusto do Anjos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!

Congresso Internacional do Medo

Congresso Internacional do Medo
Carlos Drummond de Andrade

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Via Láctea – Olavo Bilac

Retrato – Cecília Meireles

Os versos que te dou

Os versos que te dou
J. G. de Araújo Jorge

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos…e serei feliz…

E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei  depois
relembrar o passado de nós dois…
esse passado que começa agora…

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também…
Sozinha, hás de escutá-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura…

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez…

E ao lê-los…com saudade em tua dor…
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez…

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou…

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.

Mudando de conversa

Mudando de conversa
José Carlos Capinan

Não me venham falar de éticas
Prefiro locomotivas
Ou motivos loucos para ser feliz
Prefiro vagões de urânio e feijão
Atravessando o país
Vendo o povo acenando lenços brancos
(Campos férteis)
Aos que vão sul a norte
Leste oeste
Trilhos novos, outros brasis

E eu menino outra vez a dar adeus aos tempos da antihistória
Quero sorrir das janelas de trens supersônicos
Em trilhos magnéticos
E novamente pensar que podemos alcançar as estrelas

O poeta José Carlos Capinan é considerado um dos grandes letristas de sua geração, tendo participado ativamente do movimento tropicalista no fim da década de 60. Leia mais sobre Capinan aqui e aqui .

Esperança

Esperança
Mario Quintana

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenes
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

Cantiga para Mario Quintana

Cantiga para Mario Quintana
Paulo Mendes Campos

Sei lá porque eu canto!
Nem sei se é canto… ou espanto…
Talvez cante sem querer…
Talvez pra ver… ou não ver…
Ou viver… ou reviver…
– Eu não tenho o que fazer!