Chá da tarde – O pão de cada dia (Thiago de Mello)

O pão de cada dia
Thiago de Mello

Que o pão encontre na boca
o abraço de uma canção construída no trabalho
Não a fome fatigada
de um suor que corre em vão.

Que o pão do dia não chegue
sabendo a travo de luta
e a troféu de humilhação.
Que seja a bênção da flor
festivamente colhida
por quem deu ajuda ao chão.

Mais do que flor, seja fruto
que maduro se oferece
sempre ao alcance da mão.
Da minha e da tua mão.

É isso mesmo

Não Sei
(Cora Coralina)


Não sei… se a vida é curta
ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que acaricia,
desejo que sacia,
amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira, pura…
Enquanto durar.

Chá das cinco

Se tu viesses ver-me
Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesse toda nos teus braços…
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…

Um poema de Romério Rômulo

Bandeira
Romério Rômulo

já decidido, bandeira
vou contigo pra pasárgada

se o rei me apagar
me escondo na tua pele
me amarro no teu abraço
e aonde fores, irei

invento que fui amante
da vênus de botticelli
e que a vila de ouro preto
é um raio do meu olho
aí o rei se convence
de que sou homem fatal

invento dos meus amores
dos olhares de clarice
de tantas outras madonas
do aço que já comi

e aí quem vai dizer
que sou isso pelo avesso?
quem vai olhar os meus trapos
e falar do puro medo
das entranhas habitadas
no meu corpo de miséria?

falo dos panos de seda
do meu circo sem igual
onde 15 malabares
no espanto de uma corda
fazem toda a travessia

invento que namorei
a rainha de sabá
e suas tropas andaram
no meu cabelo de lona

te garantizo, bandeira
o rei não vai resistir

quem sabe que as harmonias
de villa-lobos sou eu?

(Romério Rômulo é poeta, escritor, professor de Economia Política, autor de vários livros, entre os quais Bené para Flauta e Murilo, a caixa Tempo Quando (4 livros em 2 volumes) e Matéria bruta)