Chá das cinco

Vem, amado

Vem, amado meu,
enquanto existem
borboletas amarelas
E um beija-flor
beija a flor
que Deus plantou no meu jardim.

Vem, amado meu,
enquanto o vento
brinca com as nuvens
criando códigos
que só nós dois
sabemos decifrar.

Vem, amado meu,
enquanto há risos de crianças
e a tarde está pintada de ternura.

Não te demores, amado meu.
Pois o meu amor é breve
como esta louca vontade
de sair bailando
contigo pela vida.

(Alcinéa – do livro Varal)

Chá das cinco

Johrei

Me conta, menino,
que luz é essa
que sai da palma da tua mão
e dissipa tristezas
elimina dores
e faz a noite parecer dia.

Me fala, menino,
que luz é essa
que feito raio de sol
aquece meu coração
aquieta minh’alma
me banha de amor.

Me diz, menino,
de onde trouxeste esta luz.
Me ensina o caminho
que eu também
quero ir lá buscar.

(Alcinéa – do livro Varal)

Um poema de Alcy Araújo

VERDE PRETÉRITO
Alcy Araújo


O sapo era verde
no lago verde.
O lodo era verde
no mar tão verde.
Eu era verde
ao poema verde.
A amada era verde
de olhos verdes.
O amor era verde
nos anos verdes.
A fonte era verde
a esperança era verde
e logo secou.
O sinal era verde
o carro era verde
a infância era verde
e se apagou.
(Do livro Autogeografia – 1965)

Um poema de Isnard Lima para Alcy Araújo

AL.

Isnard Lima

Tu, poeta,
deverias ser o jardineiro
que falta na praça
que amo como garoto
e odeio
como homem.

Plantarias rosas rubras
muito suaves e muito belas
para as moças
que ficam à tarde
na moldura
das janelas.

E nós teríamos
rosas vermelhas
para oferecer
à namorada ausente.

Aquela que ficou
na estrada
acenando amor.

(Do livro Rosas para a Madrugada, 1967 – Macapá-AP)

Chá das cinco

Por ti

Gosto de ser assim
: livre.
Sem relógio
sem telefone
sem hora de partir
ou de voltar.

Gosto de ser assim
: livre
De não dizer
estou aqui
vou ali
irei acolá.

Gosto de ser assim
: livre
Sem hora marcada
pra dormir
acordar
comer
passear
cantar
trabalhar.

Mas
se me quiseres
compro um relógio
e um celular
organizo o tempo
e até aprendo a cozinhar.

(Alcinéa – do livro Varal)

Chá das cinco

Noturno

A noite
eu vigio estrelas
Me embriago
de amor e luar
Passeio com Hemingway em Paris
Visito os becos de Goiás
com Cora Coralina
E com Quintana
tento descobrir
o que é que os grilos
passam a noite inteirinha fritando.

Dormir
é bom de manhãzinha
quando o sol
– ainda sonolento e tímido –
pula minha janela
pra me ninar.

(Alcinéa – do livro Varal)

Chá das cinco

Ele

Ele veio sem pressa
Caminhando entre estrelas
parando aqui e acolá
para orvalhar uma ou outra roseira.

Quando chegou
tinha os cabelos molhados de luar
e no bolso esquerdo
um raio de sol
que depositou nas minhas mãos
com tanta ternura
como quem deposita um beijo.

Por isso
acordei
com este brilho no olhar.

(Alcinéa – do livro Varal)

Bom dia!

É Natal
Alcy Araújo Cavalcante

(1924-1989)

Sabeis que é Natal. Não é necessário que eu diga isto. O anúncio da renovação do milagre do nascimento de Jesus está nesta música que vem de longe, que desce do céu e flutua, em pianíssimo, em torno de nossa alma e toca de leve o coração dos homens. O milagre está, também, nesta luz que vem do alto e ilumina os espíritos, está no riso das crianças, na oração da rosa, na lágrima dos que sofrem, no canto dos pássaros, no sussurro da brisa, no murmúrio do rio e na saudade de minha mãe rezando.

Tudo é tão bonito que as lágrimas de dor e de saudade de infâncias inexistentes são poesia pura. O belo é tanto que não resisto à vontade vesperal de anunciar que é Natal, antes que a noite chegue, antes que seja oficiada a Missa do Galo, antes que dobrem os sinos na igreja comunicando a vinda do Messias.

Tudo é luz em torno do mundo. As trevas não prevalecerão quando cair a noite acendendo mistérios. As vozes dos anjos, o coral dos pastores de Israel, a lembrança dos Reis Magos estão presentes. Há perfume. Os turíbulos de Deus espargem incenso e mirra, porque é Natal no mundo e renasce a esperança no cumprimento da palavra dos profetas.

Mais uma vez é Natal!

Chegam as vozes da infância perdida nos caminhos e o coração enxuga saudades. Os sinos, à meia-noite, vão bimbalhar lágrimas distantes. Vêm de presépios inanimados e risos perdulários afogam angústias cotidianas. A dor se esconde por trás de mágoas indormidas e as horas se ocultam nos relógios, para que a poesia do Natal não passe e o musical minuto dure mais um segundo na eternidade deste dia.

É Natal!

Reza a minha alma de joelhos pelo menino sem brinquedos que perdi, na minha pobreza de sempre.

É Natal!

Repetem meus arrependimentos nas estradas.

E uma alegria imensa absorve as tristezas que fabriquei no mundo. Um sentimento infinito de bondade apaga as dores que construí durante o meu ontem irreversível. Uma ternura imensa acende felicidades futuras, porque é Natal, neste sábado do mundo. Há um polichinelo no bazar. Pertence ao menininho doente que Jesus chamou para o seu reino. Uma boneca abandonada já não chama mamãe para a garota loura que um anjo levou pela mão naquela manhã de sol. Mas outros brinquedos coloridos fazem ciranda em torno das árvores de Natal e milhares de crianças são felizes nos lares cristãos de meu país sem coordenadas. Enquanto isto, Deus sorri, pleno de Amor, por trás da Eternidade.