Noturno

De noite
eu vigio estrelas.
Me embriago
de amor e luar.
Passeio com Hemingway em Paris.
Visito os becos de Goiás
com Cora Coralina.
E com Quintana
tento descobrir
o que é que os grilos
passam a noite inteirinha fritando.
Dormir
é bom de manhãzinha
quando o sol
– ainda sonolento e tímido –
pula minha janela
pra me ninar.
(Alcinéa Cavalcante)

Faz Tempo

Faz Tempo

Faz tempo
que eu não escrevo
um poema
um verso
um soneto.

Faz tempo que eu não rabisco
uma crônica
um conto
uma reportagem.

Minha caneta ficou rebelde.
Deu agora de ter vontade própria
e a única coisa que quer fazer
é rabiscar teu nome.

E nem és notícia.
Muito menos um poema.

(Alcinéa)

Sem perder a esperança

Eis que 2020 chega ao fim. Um ano que não deixará boas recordações.
Foi um ano de muitos sofrimentos, muito choro, perdas de pessoas queridas, planos adiados, sonhos não realizado e sorrisos ocultos por trás das máscaras.
Quem chegou até aqui tem muito a agradecer. Agradecer a proteção divina, a vida, a comida na mesa, a família, os amigos, a esperança que não foi perdida e a fé que se manteve firme.
É preciso agradecer por cada amanhecer, por cada afeto e carinho mesmo manifestados à distância.
Jamais perder a esperança.

Dentro de poucas horas começa o novo ano. E como dizia o meu pai, o poeta Alcy Araújo, “É sempre o começo. O início. O inaugural. O inaugural e a esperança de que após o fim o início recomeça”.
Que esse inicio seja de coisas boas, que não deixemos deixemos falecer o gesto de bondade, a solidariedade, o amor;  reprogramemos nossos planos e sonhos com a convicção de que será possível realizá-los.
E que venha urgentemente a vacina para que possamos neste novo ano ter mais sorrisos que lágrimas.

Então, feliz 2021 para todos vocês!

Caneta dourada

Caneta dourada

A caneta dourada
que tu me deste
naquela tarde
feita de esperanças
guardei-a no baú
onde coleciono
tuas lembranças.

É com ela que escreverei
o poema do teu regresso.

Não sei quando
não sei onde
nem sei se

(Alcinéa Cavalcante)

 

Por ti

Por ti

Gosto de ser assim
: livre.
Sem relógio
sem telefone
sem hora de partir
ou de voltar.

Gosto de ser assim
: livre
De não dizer
estou aqui
vou ali
irei acolá.

Gosto de ser assim
: livre
Sem hora marcada
pra dormir
acordar
comer
passear
cantar
trabalhar.

Mas
se me quiseres
compro um relógio
e um celular
organizo o tempo
e até aprendo a cozinhar.

(Alcinéa Cavalcante)

Carta

Carta

Se eu tivesse o teu endereço
eu te escreveria uma carta
numa folha de papel almaço.

Minha caneta verde
deslizaria no papel
te colocando a par das novidades daqui
e te contando que quando chove
sinto uma saudade danada de ti.

Não sei se sabes
mas aqui
continua chovendo todos os dias.

(Alcinéa Cavalcante)

Paisagem Antiga

Paisagem Antiga

Quero de volta a paisagem antiga da minha rua
com suas casinhas brancas cobertas de palha
gamela no jirau
fogão de barro na cozinha
e passarinhos no quintal.

Quero de volta aquela paisagem antiga
com a casa avarandada do Mané Pedro
e a casa sem pátio da Maria Banha.
Os meninos de pés descalços
jogando bola na rua sem asfalto
e as meninas de sapatinho branco
brincando de roda.

Quero de volta a paisagem antiga da minha rua
com minha casa de venezianas cor de rosa,
minha mãe no alpendre
bordando flores nos lençóis
e minha avó rezando o terço.

Quero de volta a paisagem antiga da minha rua
só pra sonhar de novo
os sonhos que sonhei na infância
quando o mundo era feito só de amor
e todos sabiam viver como irmãos.

(Alcinéa Cavalcante)