Balada para fazer recomeços

Balada para fazer recomeços
Luiz Jorge Ferreira*

Meu coração é louco.
Eu sou destro, ele é canhoto.
Olha sempre para o alto, é míope, mas quer enxergar Andrômeda.
Domingo diz que vai estar em Janeiro.
Eu sou Julho.

Meu coração é cabisbaixo quando recorda do passado.
Anunciou aos muros em ruínas que tem uma máquina do tempo.
E jorra sangue para meu cérebro.
Para que eu enxergue a alma.
Ama as Músicas das outras décadas.
Dança sozinho quando eu me aproximo do espelho.

Meu coração é louco.
Já criou Deuses, já desceu ladeiras, já fez monólogos, para pulgas Norte-americanas, falado em Esperanto.

Hoje me pregou uma peça…quis sair de mim
batendo descompassado,ao Som de uma Canção do Jards Macalé.

Onde vais?…perguntei.
Gritei …Quo Vadis.
Em latim.
…se tu fores de mim.

Nunca mais eu serei eu. Ameacei gritando aos ventos que sacudiam as venezianas.
Ele riu…e voltou…escondendo um par de Asas, que só me mostrou quando choveu sal em Outubro.

*Luiz Jorge Ferreira é poeta, cronista, contista, escritor e médico. Tem vários livros publicados e faz parte  da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames). Nasceu no Pará, mas viveu a infância e juventude em Macapá. Há muitos anos reside em São Paulo.

(Fonte: Blog de Rocha)

Esperança – Mario Quintana

Esperança
Mario Quintana
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenes
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

A Serenata – Adélia Prado

A Serenata
Adélia Prado

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
– só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei se não for santa?

Sino – Raul Bopp

Sino
Raul Bopp (1898-1984) 

Sempre de tarde, na hora em que escurece,
este sino na torre alta e sombria
começa a dar adeus ao fim do dia,
até que a última cor desaparece.

Com que mágoa eu recolho a dor que desce
no ermo do coração, tapera fria,
acordando fantasmas de alegria.
Ronda sentimental na hora da prece.

Sino de estranha religiosidade,
com sílabas de bronze incompreendidas,
vai conversar com Deus sobre a saudade.

Cala esse pranto ou chora devagar.
Com o eco de aflição dessas batidas
as estrelas se acordam pra chorar.

Um poema de Aline Mello Brandão

Caminho, sempre caminho
Aline de Mello Brandão

Caminho, sempre caminho
por velhas novas palavras
por grandes pequenos feitos,
retalhos do dia-a-dia.

Atalhos, sempre evitados
como recuso calçados.
Os pés – desnudos – no chão.
Letras brotando nas mãos.

Profissão de fé – Olavo Bilac

Profissão de fé
Olavo Bilac (1865-1918)

Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.

(Trecho do poema Profissão de fé)

Hoje é o dia internacional do poeta

“Qual seria o anel do poeta,
se o poeta fosse doutor?
– Uma saudade brilhando
na cravação de uma dor”
(Catulo da Paixão)

Se alguém te perguntar o quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo… (Mario Quintana)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(Fernando Pessoa)

Mas o que vou dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu? Olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais. Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia. (Garcia Lorca)

O poeta é um jornalista da alma humana. (Affonso Romano de Sant’Anna)

Eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta e escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Chama-se poeta justamente o homem que cria estas regras poéticas. (Maiakovski)

Não sou alegre nem triste: sou poeta (Cecília Meireles)

Minha poesia é cheia de imperfeições. Se eu fosse crítico, apontaria muitos defeitos. Não vou apontar. Deixo para os outros. Minha obra é pública. (Carlos Drummond)

Dever do poeta é cantar com seu povo e dar ao homem o que é do homem: sonho e amor, luz e noite, razão e desvario. (Pablo Neruda)

Um poema de Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me
Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesse toda nos teus braços…
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…

#Orgulho de ser Amapá

“Tu sabes que onde eu for, Amapá,
irá o amor,
amor que tua paisagem de sonho acenderá
no mais profundo e lírico sial
de que sou feito e contrafeito.
Meu olho oral
vê e fala do teu ar
do teu céu
do teu mar
das tuas florestas.”

(Trecho do poema Amapacanto, de Álvaro da Cunha – 1923-1995)