Faz escuro mas eu canto

Faz escuro mas eu canto
Thiago de Mello

Faz escuro mas eu canto
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
vai ser lindo ouvir o povo cantar
Vale a pena não dormir para esperar,
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada vem o sol quero alegria.
Que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado defendendo o
coração.
Vem comigo, multidão, trabalhar pela alegria
que amanhã é outro dia.

Ah, virose meretriz – Por Juraci Siqueira

Meu poetamigo Juraci Siqueira foi derrubado pela virose. Ele, que tudo transforma em poesia, mesmo de cama  rede  pegou papel e caneta e fez hoje essa:

AH!, VIROSE MERETRIZ!
(Antonio Juraci Siqueira)

Ela levou-me pra cama
e fez comigo o que quis!…
Meu corpo doi, posto em chama…
Ah!, virose meretriz!

Dor no peito, na garganta,
catarreira, calafrio…
O boto já não levanta
nem pra se banhar no rio!…

Dor nas costas, tosse braba,
olho ardido e coisa e tal…
Se a virose não acaba,
eu acabo no hospital!…

Prazer, sou Maria

Prazer, sou Maria

Dá licença, seu moço,
que eu agora vou me apresentar:
Sou Maria,
mulher guerreira,
não puxo briga
mas não corro de bicho-papão
nem tenho medo de coroné metido em fardão.


Sou Maria,
mulher simples e humilde
mas tenho alguns tesouros.
Não sou dona do mar
mas conheço os segredos da floresta
e marimbondo de fogo não vai me ferrar.


Sou Maria,
mulher poeta e jornalista.
De noite escrevo versos,
de dia escrevo notícia.
Minha caneta é liberdade
a consciência o meu guia.
Sou doce, mas valente,
nem tente me calar
pois não tenho medo da sua gente.


Me ajoelho só pra Deus.
Santo e poeta eu olho com o coração
e político da tua laia
eu olho de cima pro chão.


Pra quem é do bem
eu digo: “Vem comigo, amor”
Pra quem é do mal
eu só sei dizer “Xô”.


Encerro minha apresentação
te fazendo um pedido:
Fica lá no teu quadrado
deixa em paz o povo tucuju
ou eu viro Maria mal-educada
e te mando…

(Alcinéa Cavalcante)

Um domingo assim

DOMINGO

Eu preciso de uma manhã
dourada de domingo
para sair por aí
assoviando numa bicicleta azul.

Eu preciso de uma tarde de domingo
enfeitada com arco-íris
para atar uma rede na varanda
e embalar meus sonhos
lendo Quintana
e ouvindo Caetano.

Eu preciso de uma noite clara de domingo
para sentar na calçada
desenhar o mapa das estrelas
e jogar conversa fora com os vizinhos.

E depois dormir
feito criança
sem compromisso
para o dia seguinte.
(Alcinéa Cavalcante)

Chá da tarde

Acabou
(Alcinéa Cavalcante)

Não me peças um beijo
daquele de língua
cheio de amor e paixão.
O tempo passou
O carnaval já acabou
E aquele amor
– Ah, quer saber? –
Aquele amor nem era amor.

Versos íntimos – Augusto dos Anjos

VERSOS ÍNTIMOS
Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Vem comigo!

Vem comigo!
Vamos sair por aí plantando alegrias.
Traz um pincel, eu levo a tinta
e pintaremos de verde-esperança
todas as venezianas daquela ruazinha
por onde tantas vezes
passeamos de corações dados.

Vem comigo!
Vamos plantar dálias, rosas e poesias na velha praça
onde dividíamos algodão-doce no arraial do padroeiro.
Naquele tempo a infância era tão doce
e a gente tinha medo de pecar.

Vem comigo!
Vamos plantar papoulas vermelhas e amarelas
nos canteiros da ladeira
para enfeitar a cidade
e alegrar  os passantes.

Depois – cansados e felizes – tomaremos um sorvete.
Eu te darei um beijo sabor tucumã
tu retribuirás com um beijo sabor açaí.

E o Anjo que nos acompanha
ficará cheinho de ciúme e disfarçando dará de asas
(tu sabes, poeta, os anjos nunca dão de ombros)
mas Deus sorrirá e acenderá estrelas na nossa estrada.

(Alcinéa Cavalcante)

Chá da tarde

A impertinência do celular
Sebastião Cunha

Na ternura do inesperado encontro
te aninho em meu ombro
e começo a te beijar,
recobrando o tempo perdido,
e o distanciamento sofrido…
Mas aí toca o teu celular.
Uma, duas, muitas vezes, com insistência,
em intervalos perversamente regular.
Mas, num gesto de impaciência
e um sorriso maroto,
desligas o celular.