Chá da tarde

TELA
Aluízio Botelho da Cunha
(1933-1989)

O pincel fixou sombras escuras
nas sobrancelhas da moça
e deu um tom de tardes prematuras
nos olhos claros
da clara judia.
(Também já esbocei olhos e sóis,
subjugando curvas
sobre rosto oblíquo)

Dei traços de luz
em cabelos cor de noite,
e auroras nasceram
do sol ardendo,
houvesse, embora,
eclipse solar.
Se eu modelar, um dia,
novas dimensões da tua presença,
atrairá teu corpo
a lei da gravidade dos sentidos.

(Extraído da antologia Modernos Poetas do Amapa – Macapá-AP, 1960)

Chá da tarde

BOA NOITE, POEMA
Paulo Tarso Barros

Boa noite, poema.
Uma lua sequer
há no céu dessa cidade,
mas no rio noturno
onde abasteço meu ser
os peixes desenham
um arco-íris aquático.
(Do livro Inventário das Buscas)

Chá da tarde

Poema para o amigo

É possível que eu te conte
uma história de príncipes e fadas
que escutarás com o olhar perdido na infância.
Ou que te conte uma piada tão engraçada
que rolaremos de tanto rir.
Nossas gargalhadas contagiarão os passantes
e de repente todo mundo estará rindo
sem nem saber por que.

É possível
que eu faça um café com tapioca e te chame
porque café, tapioca e amigo tem tudo a ver.

É possível que eu chegue na tua casa sem avisar
só pra te ofertar uma rosa que acabara de nascer
e te oferecer um Johrei.

É possível que eu te ofereça uma música no rádio
ou te mande, pelo Correio,
uma carta numa folha de papel almaço.

É possível que eu te ligue
no meio da noite
no meio do dia
a qualquer hora
– mesmo na mais imprópria –
só pra dizer:
Amigo, eu amo você.

(Alcinéa Cavalcante)

Chá da tarde

VERDE PRETÉRITO
Alcy Araújo

O sapo era verde
no lago verde.
O lodo era verde
no mar tão verde.

Eu era verde
ao poema verde.

A amada era verde
de olhos verdes.
O amor era verde
nos anos verdes.

A fonte era verde
a esperança era verde
e logo secou.

O sinal era verde
o carro era verde
a infância era verde
e se apagou.
(Do livro Autogeografia – 1965)

Perguntas a Papai Noel

Perguntas a Papai Noel
Arthur Nery Marinho

Quando em criança o sapato
que tinha pus à janela
lhe esperando. Noutro dia
nem sapato e nem chinela.

Quando em rapaz lhe pedi
para me dar meu amor.
Aqui estou sozinho e triste
fazendo versos de dor.

Que lhe fiz, que não me olha?
que lhe fiz, que não me escuta?
Responda, Papai Noel!
Papai Noel filho da puta!
(Do livro “Sermão de Mágoas”, 1993 – Jornalista, poeta e músico, Arthur Nery Marinho nasceu em 27/09/1923 em Chaves-PA. Veio para o Amapá em 1946 e aqui faleceu em 24/03/2003)

Uma crônica de Alcy Araújo

ORAÇÃO À MÃE DE JESUS
Alcy Araújo Cavalcante  (1924-1989)

Esta é uma oração.
Uma oração de poeta cargueado de tristezas e de esperanças, que guarda da meninice distante a fé e o amor na santa Mãe de Jesus. Esta é uma oração feita num momento de aflição e de lágrimas, lágrimas que o homem de hoje chora pelo menino que não existe mais.
Esta é uma oração do homem que procura desesperadamente os itinerários do Pai Eterno, quando é impossível o caminho do retorno porque estão perdidas para sempre as marcas dos pés nus nas estradas da vida.

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