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Você está na nossa casa nova.

Aqui a porta estará sempre aberta para você, portanto não é preciso bater para entrar.

Hoje ficarei o dia inteiro online te recebendo, conversando, contando e ouvindo novidades.

Esta casa não é muito diferente da anterior. Como naquela aqui tem notícias, histórias e estórias, causos, flores, chá das cinco e muita liberdade.

A internet – como sempre – está lenta. Mas enquanto vou arrumando outros posts aqui você está convidado a conhecer os cômodos que já estão arrumadinhos. Faça um passeio e, se quiser bisbilhotar um pouco da minha vida clique aqui (http://www.alcinea.com/quem-sou) e depois retorne para a página principal que, com certeza, já encontrará novos posts.

Mercadinho da Favela

Milton Sapiranga Barbosa, especial para o blog

A Prefeitura  de Macapá construiu vários mercadinhos como forma de  facilitar a vida  das  famílias  que moravam  em bairros distantes  do mercado central, que até então era  o  local onde os macapaenses  se  abasteciam de carnes  e  vísceras  de  bovinos e suínos.

Favela, Laguinho e Trem  ganharam seus mercadinhos, mas com a proliferação de açougues particulares, fecharam suas portas, exceto o do bairro proletário, situado na  rua Jovino Dinoá, canto com a Primeiro de Maio, que  resiste ao tempio  e  está até  hoje em atividade, mas sem o mesmo charme de antigamente. Da última vez que passei por lá existia apenas um talho (era assim que chamávamos o local onde a carne era exposta.

O mercadinho  da Favela, edificado no canto  da Odilardo Silva com  a Mendonça Furtado,  era  comandado  pelo  Sr. José  Rufino, um senhor  que não tinha  o porte avantajado, musculoso,  como  é de praxe  em  quem trabalha em açougue. Era franzino, mas brabo que só ele.  Era mais conhecio por Zé Rufino  e tinha como auxiliares seus filhos  Zé Pamonha e Chico, o sobrinho  Osmar Melo  e o Sr. Zeca Costa (este era o responsável pela venda das vísceras).

No meu tempo de moleque se podia marcar vaga  com qualquer objeto, desde que não fosse de vidro. Valia  paneiro, pedra, tijolo, lata ou um pedaço de pau . E  ai daquele que tentasse furar a fila ou  jogar fora um daqueles objetos. Era  briga na certa. A turma costumava respeitar o lugar marcado, mas emercadinra sempre bom esperar a chegada de alguém  para marcar a  vaga  depois de você, pois aí,  você tinha como provar que chegara cedo  no mercadinho. Eu  sempre era um dos primeiros, pois tinha um amigo, que morava ao lado do mercadinho,  que marcava minha vaga .Era  o Erick Lucien (irmão da Henriqueta, Mariana, Mário e Eulálio)  e que, como  o Tio Boliva, que mencionei em crônica anterior, era torcedor ferrenho do Bangu. Havia a fila dos homens e a fila das mulheres.

A calçada do Mercadinho da Favela também servia para pilarmos cerol, porque ficava longe   das vistas de nossas mães. Mas  bom mesmo era que enquanto esperávamos a chegada do caminhão que  transportava a carne,  aproveitávamos para jogar  bola,  peteca no triângulo, peteca no buraco, pião ou caveira (essas três últimas brincadeiras tão comuns na minha infância, a meninada de hoje  não brinca mais. Uma pena).

Quando o caminhão surgia era aquela correria para não perder o lugar na fila, pois era nessa hora que os furões costumavam se dar bem.Não  é demais,  nem  absurdo dizer  que alguns namoros, que terminaram em  casamento, foram iniciados  nas filas  do Mercadinho da Favela. Tem gente por aí que pode comprovar.

Naquela época, uma criança podia ir com o dinheiro nas mãos ou dentro do paneiro, para não perder, que  ninguém assaltava e,  no mercadinho,  éramos, respeitados e bem atendidos pelos açougueiros.

O Mercadinho da Favela é mais uma lembrança da minha infância feliz, vivida no querido bairro da Favela.

O meu guru

“Preciso de um guru. De um sábio que me guie quando o coração falhar ante o universo das dúvidas e a condição humana soçobrar nos vagalhões das ondas. De um sábio que esclareça meus mistérios…” (Nélida Piñon)

Uso este trecho de uma crônica da Nélida Piñon porque hoje (e isso não é raro) estou com saudade do meu guru. Nélida está à procura de um guru. Eu já tive um.

Negro, alto, forte, riso gostoso, olhar penetrante, fala mansa e cinco anos mais velho que meu pai. Era assim o meu guru.

Tinha a capacidade de decifrar minha alma, ler meus pensamentos, me fazer rir quando estava prestes a chorar e me indicar caminhos e atalhos quando eu estava perdida e sem prumo.
Meu guru sempre me recebeu de braços abertos e com um largo sorriso no pátio de sua casa, onde passávamos horas conversando sem nem te ligo para o resto do mundo. Eu tinha a impressão que ele sempre estava à minha espera e isso me envaidecia.

Em algumas datas, que ele adivinhava serem especiais para mim, antes de me desejar bom dia ou boa tarde, ia logo dizendo: “Eu sabia que tu vinhas hoje.” E caía na gargalhada. Era uma gargalhada tão marota e tão gostosa que parecia que o mundo inteiro estava rindo com ele.

Ele me contava histórias e estórias. Ah, como eu gostava de ouvi-lo falar das peripécias do meu pai nos bairros boêmios da Pedreira e do Telégrafo, em Belém, e o início do namoro do meu pai com a minha mãe.

Meu guru me contava coisas que aconteceram nesta latitude zero quando eu ainda “nem sonhava em nascer”, me falava de política, de futebol, do cotidiano de gente importante e de gente simples desta terra. Tecia suas narrativas com a mesma habilidade com que confeccionava os ternos das autoridades locais e o fardamento da Guarda Territorial.

Meu guru decifrava meus enigmas, desvendava os segredos do meu coração, lia minha alma e meus pensamentos como se estes fossem um manuscrito exposto ali naquele pátio.
Certa tarde estávamos em silêncio, olhando o movimento da esquina (olhando é um modo de dizer, pois eu não via nada), de repente, com voz serena e paternal, ele me surpreende:
– Escuta, quando tu vais resolver isso?
– Isso o que?
Perguntei
– Ora, o que? Isso mesmo que estás pensando.
Dei um sorriso amarelo e desviei o olhar. Sim. Ele sabia, tenho certeza, o que eu estava pensando naquele momento em que fingia olhar para a rua.
Como fiquei quieta ele não insistiu. Passados mais alguns minutos de silêncio, ele murmurou: “Ah, esses jovens! Vocês são muito cabeça-dura” e deu uma gargalhada e disse: “Vamos mudar de assunto”. Como mudar de assunto se não estávamos conversando absolutamente nada? Acontece que o silêncio era também uma forma de diálogo, pois para ele meus pensamentos, meu coração, minha alma, eram como um diário que eu tivesse esquecido aberto no portão daquela casa. Meu guru conhecia segredos meus que nem eu conhecia, me ajudava a entender sentimentos, o mundo, a projetar o futuro, a fazer a sementeira correta para colher o bom fruto.

Pois bem, “mudamos de assunto”. Ele passou a me contar como conhecera sua amada, a pequena e cheirosa Joana, com quem estava casado há várias décadas e tinham oito maravilhosos filhos. Um casamento no estilo felizes para sempre. E foram!

O meu guru era um sábio, mas ria das bobagens que eu falava. E, como o guru que a Nélida quer, contestava “com inesperada graça os arroubos da minha liberdade”. Nunca deixou de me alertar sobre os perigos do mundo e me dava lições de como desarmar as armadilhas que eu encontrasse nos itinerários da vida. Também elogiava o meu esforço para ser cada dia melhor. Às vezes até exagerava nos elogios. Só para me alegrar.

Certo dia, quando era maio no mundo, meu guru partiu. Sereno. E eu fiquei assim, como a Nélida Piñon, sem guru. Mas com uma grande vantagem sobre ela: já tive um.

Ops…. Tive??? Calma aí. Acho que ainda tenho, pois no exato momento em que eu colocava o que seria um ponto final neste texto quando digitei a palavra “um”, ouvi aquela gostosa e marota gargalhada e parece que todas as estrelas riram junto.
Ah, esse meu guru…

Rumo – A revista que projetou o Amapá

Edição N.1
Edição N.1

Dois mil e sete é o ano que marca o cinqüentenário de lançamento da revista Rumo, a realização de um sonho de poetas, intelectuais e jornalistas amapaenses. Totalmente produzida no Amapá, a Rumo circulou em todo o Brasil e contava com correspondentes em vários estados. Era uma revista mensal e foi fundada por Ivo Torres, Alcy Araújo, Arthur Nery Marinho,Vilma Torres, Aluízio da Cunha, entre outros.

Considerada uma publicação de alta qualidade, foi identificada por críticos literários e renomados autores como um veículo de difusão cultural dos mais importantes do país. O primeiro número, que circulou em novembro de 1957, mostrava a participação do Amapá pela primeira vez em um Congresso Nacional de Jornalistas. Foi o VII Congresso, realizado em setembro daquele ano marcando o cinqüentenário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). E o Amapá foi representado por Alcy Araújo.

Alcy Araújo autografando a Antologia Modernos Poetas do Amapá
Alcy Araújo autografando a Antologia Modernos Poetas do Amapá

O jornalista aproveitou a viagem para conhecer Brasília “e os trabalhos que se realizam no Planalto goiano para a instalação da futura capital do país“. Isto rendeu a matéria “Brasília – obra de saneadores, artistas e poetas”, tendo como subtítulo “Pioneirismo e técnica moderna erguem a cidade do futuro – Uma visita aos verdes altiplanos de Goiás”.

Uma matéria assinada por John H. Newman abordava a cultura da seringueira no Amapá, enquanto Paul Ledoux escrevia sobre agricultura, silvicultura e pecuária, e Amaury Farias sobre latifúndio; “A música no Território Federal do Amapá” era também destaque na primeira edição da Rumo, com matéria assinada por Mavil Serret, o pseudônimo de Vilma Torres.

Esta edição trazia também poemas de Fernando Pessoa, uma página de ciências, uma de economia e finanças, contos de Guy de Maupassant e de Almeida Fischer. Noticiava a morte do escritor José Lins do Rêgo, falava de teatro, de educação e traçava um perfil histórico de Macapá.

A revista – que trazia artigos e reportagens enfocando os mais importantes movimentos artísticos e culturais do Amapá, do Brasil e do exterior – inseriu a cultura amapaense no contexto nacional. Suas páginas recheadas de teatro, música, folclore, sabedoria popular, eram freqüentadas por ícones da época.
Por sua envergadura, a Rumo chegou a ter projeção internacional. “A Rumo conduz e explica o Amapá“, escreveu o ensaísta Osório Nunes. Uma crítica publicada no suplemento literário do jornal Diário de Minas, em outubro de 1958, assim se expressou sobre a revista: “Encontramos suas raízes na Semana de Arte Moderna. A sua vida constitui um resultado de descentralização cultural que houve a partir daquela data e que cada vez se acentua. Se fôssemos um Carlos Drummond, Mário de Andrade, um Vinícius de Morais ou Aníbal Machado, nada nos alegraria mais do que nos saber lido lá pelos confins do Brasil, no Amapá.”

Num tempo em que livros eram praticamente instrumentos de uma pequena elite, o jornalismo passou a ser utilizado como uma forma de intervenção social. Naquele momento o jornalismo tinha mais importância do que a literatura, porque ajudou a criar o impacto para despertar a sociedade mexendo com as pessoas. Para haver literatura era preciso um conjunto de coisas funcionando a um só tempo: crítica literária,

Ivo Torres e Álvaro da Cunha
Ivo Torres e Álvaro da Cunha

leitores, debate, produção de livros, escolas… como um conjunto de elementos articulados. Daí a

necessidade e a pertinência da revista Rumo, responsável pela articulação de todo

um movimento que se consolidou com a projeção da obra intelectual do grupo de escritores amapaenses para além das fronteiras do Amap

á.

A promoção do debate levou a revista a criar outros mecanismos de apoio à produção literária. E assim nasceu a Editora Rumo, que viria a publicar em 1960 a antologia Modernos Poetas do Amapá, o livro Quem explorou quem no contrato do manganês do Amapá, de Álvaro da Cunha (1962), e Autogeografia, livro de poesias e crônicas de Alcy Araújo (1965). A revista Rumo também deu origem ao Clube de Arte Rumo, que reunia poetas, pintores, músicos e artistas de teatro para discutir o que se fazia no Amapá e no Brasil no campo da literatura, da música e das artes cênicas e plásticas. Ao mesmo tempo em que promovia concursos de crônicas e poesias na busca de novos talentos.

Homenagem a quem merece

Ele só andava de calça branca de linho, camisa branca mangas compridas, sapatos pretos impecavelmen1978 Waldemiro Gomesate engraxados e cinto preto. E não se separava nunca do seu guarda-chuva preto.
Morava numa casa toda branca, parecia uma casa encantada que despertava a curiosidade de toda a molecada da pequena cidade de Macapá. A primeira vez que estive lá – acho que eu devia ter uns onze ou doze anos de idade – era como se eu estivesse realizando um sonho e podia me sentir superior aos outros colegas.
Fiquei encantada com a casa que de tão branca me pareceu ter sido pintada com nuvens das tardes de verão.
Nas paredes, poesias emolduradas e alguns desenhos do boto, saci-pererê, iara, curupira, feitos por sua filha Maria do Céu. Livros e cadernos de anotações em todos os cômodos, em cima de todos os móveis mostravam a sede de conhecimento e a sabedoria daquele homem. No quintal, plantas medicinais, árvores e uma criação de galinhas.
Estive lá acompanhando minha mãe que buscava uma informação que não lembro sobre o que. E aquele homem falava de remédios medicinais, de poesia, de minérios, da fauna e da flora amazônica e tantos outros assuntos dos quais eu nada entendia. E ficava boquiaberta diante dele.
Mais tarde comecei a visitar o Museu Histórico-Científico Joaquim Caetano da Silva, do qual ele era diretor. Ia ali pra conversar com ele, pra aprender tanta coisa e para ouvi-lo tocar serrote. Sim! Ele tocava serrote e eu que naquela época pensava que serrote só tinha utilidade para os marceneiros e carpinteiros. Ele tinha tanta paciência com os jovens, adorava conversar e nos ensinar. Gostava de nos mostrar como a Amazônia era rica e nos falava das madeiras, dos óleos, dos minérios, das plantas, dos rios e das lendas.
Ensinava que se pode fazer tudo que se quer e contrariando os agrônomos provou que era possível cultivar uvas no Amapá. E ali, na frente do Museu, em plena avenida Fab (a avenida principal de Macapá) plantou dezenas de pés de uva.
Naquela época em Macapá só se via uva nos livros escolares (lembram da lição “O Ivo viu a uva”?). Não deu outra. A molecada se dividia em dois grupos: um ficava conversando com o “doutor” para distrai-lo, enquanto o outro roubava as frutas. Um assobio informava que tarefa havia sido cumprida com sucesso. O grupo que estava lá dentro se despedia apressadamente e partia para a pracinha do Hospital Geral, onde se juntava ao outro, para saborear as frutas
Mais tarde o museu mudou para uma sala do Macapá Hotel. Eu já me considerava íntima do cientista e pedi para trabalhar ali com ele. Eu era menor de idade, mas implorei que me deixasse trabalhar de graça com ele porque o que eu aprenderia ali valeria muito mais do que qualquer salário, do que qualquer dinheiro. Ele topou. E muito do que sei e do que sou devo a ele.
O Museu era visitado por pessoas de todas as classes. Era gente em busca de remédio fitoterápico, gente em busca de informações sobre tanta coisa, gente vinda do exterior atrás de um remédio que ele produzia com a planta “pata de vaca” para combater o diabetes.
Quem é do Amapá já deve ter percebido que eu estou falando de Waldemiro Gomes. Cientista, poeta, jornalista, músico,  nascido em Belém em 4 de dezembro de 1895. Fez seus estudos no Brasil e em Portugal, especializando-se em Botanica Médica, Parasitologia, Química e Fisica Médica, Antropologia Cientifica e Fisiológica, Agricultura, Apicultura, Extração de Princípios Ativos Vegetais e Histologia dos Vegetais. E colocou todo seu conhecimento à disposição do Amapá, depois de ter assessorado vários cientistas, entre eles Gaspar Viana, no Rio de Janeiro.
Waldemiro Gomes chegou ao Amapá em 1935 e não abandonou mais esta terra. Fez o primeiro mapa de ocorrências minerais da região do Amapari, montou e dirigiu o Museu Histórico-Científico Joaquim Caetano da Silva, catalogou igarapés do Amapá, fez inúmeros estudos e pesquisas sobre de madeiras, minerais, fibras e óleos industriais.
Waldemiro Gomes morreu em 21 de agosto de 1981. Foram 46 anos dedicados ao Amapá. Estado que muito lhe deve e que ainda não lhe prestou uma grande homenagem. Quando Waldemiro Gomes morreu, o governador da época deu seu nome ao Museu de Plantas Medicinais. Mas no governo Capiberibe o nome do museu foi mudado e Waldemiro Gomes foi rebaixado para nome de uma salinha do Museu do Desenvolvimento Sustentável.
O Amapá é injusto e ingrato com este grande homem. O Amapá já prestou homenagens a quem nunca fez nada por esta terra, já homenageou gente que nunca colocou os pés aqui e já deixou de homenagear muita gente que merece ser homenageada.