Ela era linda, negrinha, magra, os cabelos pareciam talas de tão lisos. Conta-se que ninguém engomava uma roupa melhor que ela. Naquele tempo que os homens tinham que usar calças de linho e camisas brancas de mangas compridas, tudo muito bem engomado, ela – usando ferro a carvão – engomava com perfeição as roupas do meu pai e os meus vestidinhos de organdi. A goma ela mesma fazia com tapioca. Acho que era a mesma goma que se toma no tacacá e que meu irmão usava para colar seus papagaios de papel de seda.
Dizia-se também que não havia feijoada mais gostosa que a que ela fazia. Gostava de cozinhar no quintal. Fazia o fogo com lenha, que comida boa tinha que ser cozida na lenha.
Criava galinhas no quintal, que alimentava todas as manhãs e no fim da tarde, com milho. Lembro bem quando ela descia a escadinha da cozinha com uma bacia de alumínio cheia de milho. Ao vê-la as galinhas se aproximavam e ela ia jogando os punhados de milho.
Tinha também uma horta, onde plantava cebolinha, cheiro verde, coentro, pimentão, tomate e outras coisinhas. A horta era cercada com uma tela de arame.
Não gostava de cama. Nem tinha cama. Só deitava em rede. Perto da rede, uma mesinha com uma bilha de água, lamparina (para o caso de faltar energia), um caneco de esmalte, uma caixa de fósforos, o cachimbo, um pedaço de tabaco e outras coisas que não lembro mais. Para curar tosse fazia uma mistura de pimenta do reino com açúcar e deixava numa tigelinha naquela mesa. De vez em quando comia um pouquinho. Eu achava essa mistura tão gostosa que sempre tossia perto dela só pra ganhar um pouco.
Seu quarto era simples: a rede, a mesinha, um armário e uma maleta de madeira, daquelas bem antigas. Duas janelas dando para o quintal e duas portas: uma para a cozinha e a outra para o quarto dos netos. Nunca vi aquelas portas fechadas.
Dos netos o preferido era o mais velho. Tudo que ela comia guardava a metade pra ele. Se fritava um ovo, a metade ela guardava naquela mesinha num prato esmaltado, coberto com um paninho, pra quando ele chegasse da escola.
Não lembro de ter visto alguma vez uma revista ou livro em suas mãos, mas lembro muito bem do jeito encantador como ela me contava historinhas que sempre começavam com “era uma vez…”.
Um dia ela adoeceu. Apareceu nela um tal de “cobreiro” na barriga. Era uma coceira. Desde aí ela foi ficando cada dia mais tempo na rede, sentia dor e acho que sentia muita fraqueza, pois passado um tempo não saía mais da rede. Lembro que os médicos iam em casa, receitavam remédios, mas não sei que diagnóstico deram. Cada vez ela ficava mais fraquinha e como já não me contava histórias eu retribuía lendo para ela revistas de fotonovelas. Acho que ela nem prestava atenção. Uma noite enquanto eu lia baixinho para ela e para a vizinha Zefa, que toda noite ia visitá-la, Zefa pegou no seu pulso, me olhou assustada e mandou que eu chamasse correndo meu pai, que estava na sala, pois minha avozinha Jacinta Alves Carvalho, mãe da minha mãe, acabara de morrer.
Eu tinha 10 anos apenas. E quando minhas colegas me perguntavam do que minha amada avozinha tinha morrido, eu, com os olhos cheios de lágrimas, respondia: “de cobreiro”.
Hoje quando alguém me faz essa pergunta – o que é muito raro – eu digo: “Parece que foi de cobreiro” e tento explicar o que é isso, mas o que eu gosto mesmo é de contar que ela era tão bonita, negrinha de cabelos lisos, magrinha, nascida no interior do Pará e que casou-se com um português de olhos azuis, vindo de Lisboa, dono de comércios em Belém, e com ele teve uma única filha: minha adorável mãe.
Minha outra avó também era linda, branca de bochechas rosadas, fazia crochê como ninguém e também nos encantava contando histórias… bom, mas sobre ela eu vou falar em outro post qualquer dia desses.