Viagem ao fim do mundo

Viagem ao fim do mundo
Douglas Lima*

Está escancaradamente aberta a temporada ao fim do mundo. A viagem é grátis, sem também a exigência de alimento não perecível. Para embarcar, basta ter imaginação fértil, destreza para distorcer as mensagens bíblicas e sempre querer e torcer para o pior, além de acreditar em falsos profetas.

A viagem ao fim do mundo é financiada pelo serial killer novo coronavírus, que até à tarde de quinta-feira, 30 de abril, já tinha matado 231 mil pessoas em todo o mundo. Esse mal, além de infelicitar milhares e milhares de famílias, ceifando vidas à larga, vem despertando ilusões e pensamentos sinistros, assim como emoções carregadas de impotência e terror.

 O coronavírus, causador da covid 19, nada mais é do que uma mutação genética letal de mesmo organismo acelular conhecido desde 1968, pelo menos, e que pela sua versão assassina atual acopla o termo novo no nome. Esse negócio não tem nada a ver com as sete pragas derramadas de cálices conduzidos pelos sete anjos do Apocalipse da Bíblia.

O momento é de orações coletivas ou individuais, elevadas para o Deus Criador do Céu e da Terra, tendo Jesus Cristo como Intercessor, à Luz do Espírito Santo. Orações para que a Santíssima Trindade cubra pesquisadores com os dons da sabedoria, inteligência, entendimento e ciência para que descubram, já, um antídoto para conter o inimigo número da humanidade ora em ação.

Mas é bom que se preste atenção no que em 2008 previu a escritora Sylvia Browne no livro de sua autoria ‘Fim dos dias: previsões e profecias sobre o fim do mundo’. Está na obra que por volta do ano de 2020 uma doença grave do tipo pneumonia se espalharia por todo o mundo, atacando os pulmões e brônquios e resistindo a todos os tratamentos conhecidos.

O livro também diz que “Quase mais desconcertante do que a própria doença será o fato de que ela desaparecerá tão rapidamente quanto chegou, atacará novamente dez anos depois e desaparecerá completamente”. Então, é o caso de todos dizermos em coro: Vá se cola!

*Douglas Lima é radialista e jornalista

A simbologia da Páscoa em tempos de pandemia

A simbologia da Páscoa em tempos de pandemia
Davi Alcolumbre*

A Páscoa é comemorada diferentemente por judeus e cristãos. Ainda hoje, os judeus se referem à festa pelo seu nome original: Pessach. De origem hebraica, quer dizer “passagem” e deu origem, entre outras, à palavra “Páscoa” em português.

Depois do pôr do sol desta sexta-feira, judeus do mundo todo iniciaram a comemoração de Pessach, festa judaica cuja data se aproxima da Páscoa cristã, comemorada neste domingo, e que lembra a libertação do povo judeu da escravidão no Egito.

A primeira Páscoa aconteceu durante a escravidão dos hebreus no Egito. Originários de Abraão, os hebreus estabeleceram-se em Canaã e, depois de um tempo de seca e falta de alimentos, mudaram-se para o Egito, onde foram escravizados. A libertação dos hebreus foi realizada por Moisés, logo após a execução das dez pragas no Egito, conforme a fé judaica.

Para os cristãos, a Páscoa significa a ressurreição de Jesus Cristo. Durante os 40 dias que precedem à Semana Santa e à Páscoa — período conhecido como Quaresma — os católicos se dedicam à penitência para lembrar os 40 dias passados por Jesus no deserto e os sofrimentos que ele suportou na cruz.
A Páscoa é uma solenidade tão importante que um dia só é pouco. Por essa razão, judeus e cristãos levam oito dias para festejar, respectivamente, a passagem do cativeiro à liberdade e da morte à vida.

Os cristãos marcam a Semana Santa com missas especiais como o lava-pés na quinta-feira e a procissão do enterro na chamada Sexta-Feira Santa, dia em que muitos fiéis evitam comer carne vermelha em respeito à morte de Cristo.

No domingo, muitas famílias celebram a tradição da busca por ovos escondidos, adotada de rituais pagãos. Os ovos de Páscoa se tornaram, com o passar do tempo, um dos símbolos mais conhecidos da data.

Já nós, judeus, não podemos comer nada feito à base de farinha. Macarrão, pizza e lasanha? Nem pensar! Uma iguaria que não pode faltar à mesa é o pão ázimo, feito só de trigo e água, sem fermento. Conhecido como matzá, simboliza a pressa do povo hebreu ao fugir da escravidão no Egito. Durante a Pessach, comemos ervas amargas para lembrar a amargura da escravidão, mas também bebemos vinho para recordar a doçura da liberdade.

Em meio à pandemia de Covid-19, judeus e cristãos vivem momento de angústia e de apreensão global. O temor desconhece limites geográficos, escreve um novo capítulo na história, troca a multiplicação matemática pela progressão geométrica, desafia a química e põe em risco a biologia. O mundo se debruça sobre o remédio para frear o vírus.

A Páscoa pede que tenhamos fé. Então, que tenhamos fé, mas façamos a nossa parte, com solidariedade, empatia, menos ganância, mais justiça e extrema responsabilidade. A vida é o que importa. Não há uma escolha entre economia ou saúde. Só há um caminho: manter as pessoas com vida, e o Estado tem que dar as condições para garantir a economia. É isto o que tem feito o Parlamento. Temos procurado mitigar os efeitos devastadores da pandemia.
Vai passar. Tudo passa nesta vida. Que tenhamos bom ânimo. E que a simbologia pascal, de passagem, de fé e de salvação, esteja presente em todos os corações. Amém! Shalom!

*Davi Alcolumbre é senador do Amapá e presidente do Senado e do Congresso Nacional

As palavras – Dom José Conti

As palavras
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá
 
“Têm palavras más e palavras boas. Palavras leves que voam e outras que pesam como pedras enormes. Têm palavras que ferem o coração e outras que o aquecem. Algumas fazem chorar, outr as sorri r. Têm palavras que fazem viver, porque dão coragem e dignidade. Com as palavras se pode errar, fazer sofrer, mas, depois, é possível corrigir o erro. Têm palavras carregadas de sentido como: ‘te amo’, ‘me perdoe’, ‘juntos’ … Têm também palavras de vida eterna. Mas, ainda as lembramos?”
Encontrei essa poesia, sem o nome do autor, e me lembrei da força das palavras da Escritura que Jesus usou para vencer as tentações. Foram chamadas de arma, de escudo. Penso que, mais uma vez, foram u ma li&cc edil;ão. Grande e simples ao mesmo tempo. No primeiro domingo da Quaresma, sempre encontramos a página dos 40 dias de Jesus no deserto. Entendemos que estas foram as tentações que o acompanharam ao longo de toda a sua vida. Podia ter sido um messias poderoso e triunfador, de acordo com a mentalidade e os sonhos do mundo ou, como foi, um salvador pobre e desconhecido aos olhos dos grandes, mas perfeito no amor e na entrega ao projeto do Pai.
A “lição” da página evangélica das tentações nos ilumina sobre o uso que fazemos das Escrituras e a maneiras de entendê-las. As consequências serão vis&iacu te;veis em nossas vidas. Hoje, por exemplo, somos tentados de pensar que com a ciência e a tecnologia, fruto da inteligência humana, tudo, ou quase, esteja ao nosso alcance. É possível reciclar até o lixo e ganhar dinheiro. Mas também é possível fabricar armas letais, silenciosas e microscópicas como um vírus sem cura. Milhões de seres humanos gostariam que as pedras se tornassem pão, porque morrem de fome. O que continua de pedra é o coração dos ricos e a ganância de um sistema que vive só pelo lucro. Poder, riqueza e sucesso continuam a ser os ídolos mais adorados da história humana.
Podemos usar as palavras da Escritura para lembrar as promessas grandiosas de Deus, a partir de Abraão, pai de uma multidão incalculável. Lembrar o compromisso que o reino de Davi não ter&aacut e; fim. Até o pobre Jó, tão sofredor, após aguentar os desaforos dos amigos para ficar fiel a Deus, recebeu como prêmio mais bens e mais filhos e filhas do que tinha antes. Teria sido tão simples para Jesus receber todos os reinos da terra, bastava dobrar ao menos um joelho. Tem mais uma palavra muito usada para quem continua achando loucura a cruz de Cristo: “Maldito todo aquele que for suspenso no madeiro” (Dt 21,23, citato em Gl 3,13).
Não precisa mexer com Satanás. Basta refletir um pouquinho para entender que podemos usar a mesma Escritura para explicar as coisas do mundo, para chamar riqueza e saúde de benção e pobr eza e do ença de castigo. Ou, deixar que seja o próprio Jesus a abrir a nossa inteligência, como fez com os seus discípulos após a ressurreição. É a lição exemplar da vida dele que dá luz às Escrituras e não o contrário. A Palavra de Deus deve ser um alimento que motiva a generosidade e não o egoísmo, a partilha e não a acumulação, uma economia solidária e não somente lucrativa. Também tentamos o Senhor quando o desafiamos a se mostrar com algo extraordinário, quando invocamos o seu nome para que ele faça aquilo que nós deveríamos fazer e não fazemos, ou seja, amar-nos e perdoar-nos mais. Não enxergamos mais o milagre da vida que acontece todos os dias de baixo dos nossos olhos. Deixamos de contemplar a natureza, com sua beleza e harmonia, assim esquecemos o primeiro livro, sempre aberto, que nos fal a de um Deus amoroso e providente. Aclamamos e dobramos os joelhos diante de falsos deuses, estrelas da mídia, salvadores de pátrias fabricadas com a propaganda e os números maquiados das pesquisas encomendadas. Jesus foi plenamente humano; aquelas tentações são sempre também as nossas. Se apresentam fascinantes. Mas nós fomos salvos porque ele não desceu da cruz, porque nos amou até o fim. Em tempo de Quaresma, precisamos de palavras verdadeiras, de vida e esperança, não de discursos tentadores e promessas falsas.
É o caminho da cruz, mas é a felicidade da vida doada.

O Conselho – Dom José Conti

O conselho
Dom Pedro José Conti –  Bispo de Macapá

Um marido foi visitar um santo eremita para pedir algum conselho, a respeito da difícil convivência com a esposa. O eremita escutou com benevolência todas as queixas do homem, depois deu o seguinte conselho: “Irmão, os defeitos da mulher, ou se corrigem ou se suportam. Quem os corrige, melhora a esposa, quem os suporta melhora a si mesmo!”

Neste domingo e no próximo, continuamos a leitura do quinto capítulo do evangelho de Mateus. Nele, Jesus é apresentado como alguém que, pela própria autoridade, faz a releitura dos mandamentos da lei dada por Moisés. A cada assunto se repetem as palavras: “Ouvistes o que foi dito…”, “Eu, porém, vos digo”. É, justamente este “eu” que deve chamar a nossa atenção. É ele, Jesus, que fala e nos diz claramente que não veio para “abolir” a lei e os profetas, mas, ao contrário para dar-lhes pleno cumprimento (Mt 5,17). Já ficamos, espero, curiosos: não era a lei o sinal e o compromisso da Aliança entre Deus e o povo escolhido? O que faltava à lei? Devia continuar a ser praticada e ensinada (Mt 5,19), no entanto, Jesus põe como condição para entrar no reino de Deus uma justiça maio” do que a dos fariseus e dos mestres da lei. Nós já sabemos a resposta. Não basta cumprir os preceitos da lei ao pé da letra, precisa ter a coragem de reconhecer com qual ânimo e com qual coração fazemos isso. A Deus não interessam tanto pessoas obedientes só no mínimo necessário; ele quer amigos sinceros que, alegres e livremente, construam relações de paz, bondade, partilha, amor para com ele e com o próximo. Ou seja, segundo as palavras de Jesus, o Pai quer “filhos” cujo coração bata em comunhão com o dele, sempre bondoso e misericordioso para com todos, bons e maus, justos e injustos (Mt 5,45). Pensando bem, tudo isso é uma verdadeira viravolta ou revolução, se preferem. Os cristãos devem obedecer à única lei do amor que nos torna livres das amarras do egoísmo e das negociações de quem faz as cois as – o bem – somente se tiver alguma vantagem em troca.

As propostas de Jesus são de uma atualidade impressionante. Vivemos um tempo de violência, exercida, muitas vezes, em nome da segurança e de direitos, alguns honestos, mas outros negados ou roubados de irmãos e irmãs mais fracos e pobres. É mais fácil se encolerizar que buscar entendimento e reconciliação. Acontece nas nossas famílias. Em nome da felicidade individual, jogam-se fora as promessas, as juras de amor, o futuro dos filhos e de quem – o cônjuge – partilhou anos e anos de alegrias e dificuldades, numa verdadeira comunhão de vida. Adultério é palavra pesada, mais fácil são a indiferença, o descaso ou a acomodação, as “saidinhas” e situações de fachada. Para que o casamento não se torne uma triste e inútil prisão, o amor deve ser alimentado, renovado, reavivado sempre, com coragem e abnega& ccedil;& atilde;o. O mais difícil, talvez, seja se deixar moldar pelo outro ou pela outra, corrigir os autoritarismos, desmascarar o machismo e o feminismo, acreditar no diálogo e desistir da pressa de mudar os outros, antes de mudar a nós mesmos. Enfim, o evangelho fala de “Não jurar o falso”. Em época de fake-news, a coisa mais fácil, hoje, é espalhar notícias falsas ou de origem duvidosa ou desconhecida. Sobretudo quando uma mensagem nos parece “importante”, porque escandalosa ou tocante, logo a multiplicamos. Depois, fica muito difícil voltar atrás e reconhecer a mentira e o uso do sofrimento alheio por parte de pessoas inescrupulosas. A honestidade das pessoas ficou manchada para sempre e o ditado popular: “onde tem fumaça, tem fogo” gera suspeitas e desconfiança. Não gostaríamos que isso acontecesse conosco, e por que ajudamos para que aconte&cce dil;a co m os outros? Também espalhar notícias dizendo que foi, me perdoe, Nossa Senhora, ela mesmo, Maria a falar é, no pouco dizer, ousado ou até desrespeitoso. Quem garante que foi Maria mesmo que disse aquilo? Nossa Senhora pode ameaçar pragas para os seus filhos? Com certeza, ela nos exorta a crer mais, rezar mais e a sermos mais bondosos, a não ter medo e a “fazer” sempre “tudo” o que Jesus nos disser (Jo 2,5).                         

Pobre mundo! Por Rui Guilherme

POBRE MUNDO!
Rui Guilherme

 Microcosmo, macrocosmo. Imagine-se você em pé junto a uma sumaúma de mais de cinqüenta metros de altura; ou de uma sequóia de cento e quinze metros. Mais ainda: veja-se a si mesmo no sopé de uma montanha de três mil metros. A desproporção é imensa; faz você sentir-se microscópico diante desses gigantes naturais.

E que somos nós senão alguns bilhões de formiguinhas insignificantes diante do planetinha que habitamos, cujo diâmetro é de 12.742 quilômetros? Ou da estrela que nos aquece, cuja cintura mede um milhão e quatrocentos mil quilômetros? Um bilhão e quatrocentos milhões de metros? As diferenças não param de crescer na medida em que nos conscientizamos de que a Terra é um mero grão de poeira cósmica a girar infinitamente em torno de uma estrela de quinta grandeza, integrante de uma entre trilhões de galáxias no cosmo universal.

Quanta arrogância em cada um de nós, seres ainda mais minúsculos diante do espaço sideral do que micróbios e bactérias em comparação a este colosso biológico que é o corpo do ser humano hospedeiro, a achar-se grande em sua altura mediana de pouco mais ou menos do que um metro e setenta centímetros…

Na ordem natural, contudo, um homem de porte médio há de parecer ao olhar espantado de um corona vírus, ou de outro ente microscópico, mais gigantesco do que a sumaúma ou a sequóia; ou do que a montanha, para assumir as colossais dimensões que têm os corpos celestes na concepção do ser humano. E pensar que este mundo de vida que é o homem pode ter sua vida aniquilada por um vírus invisível a olho nu tal como este que, agora, surgido na China, põe em alerta a população do globo.

Pobre mundo! Entre seus bilhões de habitantes há alguns, pouquíssimos que o sejam, embora a quem multidões de formiguinhas conferiram uma enorme somatória de poder que pode fazer deles seres tão letais para a humanidade quanto o novo vírus o é para o indivíduo por ele infectado.

Fugir, para onde? Como escapar de tantas e tão variadas ameaças? Em vez de tentar uma convivência inteligente com a natureza, cujas forças tornam nossas fátuas habilidades tão escancaradamente impotentes, não cessamos de agredir o meio ambiente, intoxicando-o no ar e nas águas, extinguindo recursos naturais, matando a fauna e a flora. Movidos pela ganância mais cruel na busca de enriquecimento passageiro, tornamo-nos indiferentes a tudo que se pôs de mais precioso na orbe. Somos, para

Gaia e para nossa própria espécie, mais devastadores que os agentes infecciosos.

Dizia o poeta que estava indo embora para Pasárgada. Lá, achava ele que iria ter uma vida boa porque era amigo do rei. Doce sonho, não passa de poética ilusão. O rei, se havia algum, estava até acima de qualquer impeachment. Se lhe haviam dado o poder, quase certo que, a esta altura dos acontecimentos, o monarca já se teria deixado contaminar pela ânsia expansionista. Poder tem dessas coisas. Quanto mais empoderado, mais se quer ser, mais se quer ter, mais gula pelo mando, mais indiferença diante do infortúnio que suas políticas possam causar.

Levado por uma tristeza imensa; acabrunhado pela minha absoluta impotência diante do quadro que se desenha mais nitidamente  sombrio a cada dia que transcorre, pensei em pedir ao poeta que me ensinasse como chegar a Pasárgada. Não que quisesse ir para lá a fim de fazer amizade com o rei, nem com seus ministros, nem com nenhum dos poderosos. Para mim, bastaria a segurança e o conforto do anonimato. Escondidinho, poderia amar meus amores, ler meus livros, ver meus filmes, ouvir minhas músicas, escrever, quem sabe até cometer alguma poesia. Caí em mim: Pasárgada, não mais. O que nos resta é esse mundo – pobre mundo, tão lindo, tão colorido! – que eu e meu próximo estamos arrastando para um futuro calamitoso que, se tudo o que se fizer não passar de proféticas lamentações, de registros tristonhos que nem esse que acabo de produzir, vai chegar mais cedo do se pensa.

Eu vou contigo – Dom José Conti

Eu vou contigo
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá
 
Um casal de jovens tinha-se casado havia poucos meses, mas o matrimônio deles era um verdadeiro fracasso. Ele não suportava o gosto horrível da comida que ela preparava e e la se perguntava como tinha pensado que as brincadeiras dele fossem divertidas. Resmungavam, mas nenhum dos dois falava abertamente o que pensava. Porém, certa tarde de domingo, quando discutiam de qual cor pintar a sala, a raiva, guardada fazia tempo, explodiu. Foram gritos e berros; cada um jogou acusações e defeitos na cara do outro. Alguns dos pratos ganhos no dia do casamento se espatifaram. O marido pegou as chaves do carro, saiu de casa e as últimas palavras dele foram:
– Basta! Vou te deixar! No entanto, antes que o motor do velho carro pegasse, a porta lateral do passageiro se abriu e a mulher caiu de peso no assento. Tinha o rosto marcado de lágrima s, mas estava cheia de determinação.
– Onde pensas que vai? – perguntou o marido. A esposa hesitou um instante antes de responder. Aquelas palavras iam decidir qual direção tomariam as suas vidas nos quarenta e sete anos sucessivos.
– Se tu me deixas – respondeu a mulher – Eu vou contigo.

Contei um caso real de amor conjugal que…não acabou. Curiosamente, no evangelho deste domingo encontramos o caso fictício de uma mulher com sete maridos-irmãos. Segundo as normas de Moisés, se um homem casado morresse sem ter filhos, um dos irmãos do falecido devia casar-se com a viúva para dar descendência ao irmão defunto. Nesse caso imaginário, todos os sete irmãos morreram antes da mulher. Aqueles que não acreditavam na ressurreição queriam saber de Jesus com qual dos sete maridos ela ficaria, depois que morresse também, já que todos tinham-se casado com ela. Um caso inventado, só para ridiculizar a fé na ressurreição. Na sua resposta, Jesus simplesmente nos diz que a situação dos ressuscitados será de vida, mas não com as mesmas relações, matrimoniais por exemplo, como neste mundo. Na ressurreição haverá somente o amor de Deus que unirá a todos e a todas numa comunhão perfeita, muito além dos laços humanos anteriores. Nada se perder&aacu te; dos amores terrenos; também aqueles que foram santos e bonitos serão transformados no amor de Deus e serão mais santos e mais bonitos ainda. Os ressuscitados participarão da vida amorosa plena e perfeita de Deus. Detalhes? Não temos, mas o que Jesus disse alimenta a nossa fé e a nossa esperança, porque, como São Paulo ensina, quando essas virtudes não servirão mais, ficará somente o amor e será o amor grande, sem fim, o amor de Deus (1Cor 13,13).

A resposta de Jesus aos saduceus é muito mais que uma informação sobre a vida futura. Saber que todo amor humano é caminho para a vida plena e tem consequênci as na eternidade nos ajuda a viver profundamente esse amor. Seria muito ousado dizer que todo amor neste mundo, o conjugal, o dos irmãos, dos pais com os filhos e dos filhos com os pais, o amor sincero de amigos, é sinal e memória, ao mesmo tempo, do amor eterno de Deus? Através do amor do pai terreno, os filhos amados conseguem, ao menos um pouco, acreditar e desejar o grande amor do Pai Deus. Quem está disposto a dar a vida pelo amigo, quem se compromete por causa da amizade, torna visível novamente o amor divino daquele que “não poupou seu Filho” (Jo 3,16). Os cônjuges fazem o mesmo quando se doam um ao outro com liberdade, só por amor, “todos os dias das nossas vidas” como eles dizem no dia do casamento (Ritual do Matrimônio). Também os que não se casam, quando abraçam as grandes causas da justiça e da paz, são sinais de uma esperança na v ida e no amor que vai além dos cálculos e dos projetos humanos destinados a acabar. O celibato ou a virgindade consagrada por causa do Reino de Deus, para servir os pobres e abandonados, falam por si mesmos da ressurreição, também quando são mal compreendidos ou parecem fora de moda. Todo amor que brilha pela gratuidade e a doação, que não se prende a prazos, interesses, trocas ou algo semelhante, é um sinal do amor gratuito e sem fim de Deus. 47 anos? Nada mal para os dois que iam se largar.

O cabo do machado- Dom José Conti

O cabo do machado
 Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

As velhas árvores da floresta eram muito orgulhosas delas mesmas. Altas, grandiosas, chamavam a atenção dos que passavam e todos as admiravam. Certo dia, chegou um homem que estava precisando de um cabo de madeira forte e do tamanho certo para o seu machado. Por ser muito educado, ele perguntou antes às velhas árvores qual delas devia se sacrificar para conseguir o cabo. Explicou que machado sem cabo não servia para nada. As velhas árvores reuniram o conselho e, depois de muitos ruídos de ramos e mexer de folhas, sentenciaram que o homem devia cortar uma jovem árvore lá à margem da mata. O homem foi lá, cortou a pequena árvore e, depois de alguns acertos, o cabo de que precisava estava pronto. O homem, feliz da vida e sem pedir mais nada para ninguém, começou a cortar, uma por uma, as velhas árvores. Elas, caídas no chão, perceberam, tarde demais, o erro que tinham cometido. Chorando diziam umas às outras: – Se tivéssemos sabido, teríamos defendido a nossa irmã mais nova.

Vivemos em tempos nos quais se fazem muitas previsões sobre o que pode acontecer. A meteorologia nos diz se vai chover ou se teremos tempo firme. As bolsas de valores projetam o tamanho dos lucros para os investidores nunca perder o seu dinheiro. As pesquisas sobre as intenções de voto, pretendem nos dizem, de antemão, qual será o resultado das eleições. Também Jesus, no evangelho deste domingo parece nos convidar a planejar o futuro da nossa vida. O faz com o exemplo de quem quis construir uma torre, mas calculou errado o material e, por isso, não deu conta de acabar a construção. Será motivo de chacotas. Igualmente, um rei quis partir para a guerra contando com as suas forças para ganhar. Depois, porém, descobriu que o outro exército era mais forte e numeroso. Foi prudente, resolveu desistir e negociar a paz. Será que Jesus quer que sejamos frios calculistas ou negociadores interesseiros? São comparações. Jesus quer que, dito com palavras simples, não passemos vergonha. O que está em jogo não é a construção de uma torre, mas o crescimento do Reino de Deus. Não se trata de vencer uma guerra com armas e soldados, mas de ganhar a luta contra o mal que está dentro e fora de nós. Ele nos convida, simplesmente, a fazer uns cálculos, a pensar bem, para ver se daremos conta ou não da empreitada.

Nesta altura, seria mesmo para ficar desanimados. Quando teremos inteligência e capacidade para construir o Reino da justiça do amor e da paz? Um Reino, este, que é “de Deus” porque deixa vislumbrar já aqui na terra um pouco da perfeição e da plenitude divina. Quando teremos forças para vencer a guerra contra o mal e o pecado em todas as suas formas cada vez mais disfarçadas e sofisticadas? Nunca! É a resposta certa, a não ser que…façamos o que Jesus também nos diz no evangelho deste domingo. Se contamos com pais, mães, mulheres, filhos, se confiamos no dinheiro, nos bens e no poder que temos, juntaremos sim uma numerosa turma, mas estaremos fazendo cálculos inúteis. O único que pode “vencer” o mal e completar a obra que iniciou é ele mesmo, o Senhor Jesus, o crucificado que ressuscitou e venceu a morte. Somente quando deixarmos de contar com as nossas forças, de nos sentirmos capazes, quando entregarmos tudo nas mãos dele, aí sim, algo novo – o Reino de Deus – acontecerá. Tudo será novo. As nossas famílias não serão mais empecilhos ou campos de batalha, mas laboratórios do Reino, na comunhão e na paz. A desistência do nosso orgulho nos fará enxergar as necessidades do outro, nos tornará humildes, capazes de aprender, de recomeçar, de partilhar saberes e alegrias. Os bens materiais, as riquezas da natureza, os frutos da inteligência humana, não serão desprezados, porque são criaturas e dádivas de Deus. Também não serão só explorados, serão usadas para o bem de todos, dos pequenos, dos pobres e famintos. A cruz a ser carregada é aprender a doar a vida, a fazer do amor uma semente de vida nova.

As velhas árvores, calcularam mal e perderam tudo. Nós também, não queremos doar nada e deixamos escapar o tesouro do Reino. Vão rir de nós.

O ganhador

O ganhador
Dom Pedro José Conti –
Bispo de Macapá

Chegou o dia tão esperado dos Jogos da Juventude, uma competição esportiva entre os alunos dos colégios da cidade. João Pedro com os seus 14 anos, alto e for te, sabia que tinha chance de ganhar, na corrida, a prova de velocidade. Mário, seu colega, era, porém, o seu maior adversário. Era mais baixo, mas muito rápido. Os pais dos alunos enchiam as arquibancadas do estádio e torciam por seus filhos. A primeira prova foi dos 200 metros rasos. João Pedro correu bem, passou na frente e ganhou de Mário. Ficou feliz pela medalha e os aplausos. Depois, houve a prova dos 100 metros. João Pedro estava lá para correr e Mário também. De novo, ele partiu bem e estava decididamente na frente, mas, quando faltavam poucos metros para a chegada, parou e deixou a corrida. Assim Mário ganhou. Depois da premiação, os pais de João Pedro lhe perguntaram:
– Por que você fez isso? Teria ganho novamente!
– Certo, mãe, mas eu já tinha uma medalha e Mário nenhuma!< /span>
Palavras bonitas. Foi coisa de adolescente ou gesto singelo de amizade?

O evangelho deste domingo, Lucas nos propõe uma grande lição de humildade de duas formas diferentes. A primeira diz a respeito aos lugares dos convidados numa festa. Naque le tempo, como hoje, quem se achava importante queria, evidentemente, alguma posição de destaque. Queria, de fato, que todos os demais presentes reconhecessem o seu valor. No entanto, Jesus alerta que, num evento, sempre pode chegar alguém ainda mais importante e que os donos da festa lhe peçam para ceder a ele, ou a ela, o primeiro lugar, conforme os critérios mundanos da fama, do sucesso, da riqueza ou da posição social. Nesse caso, com os lugares ocupados pela lógica da ambição, só poderiam ter sobrado as últimas vagas. Seria um rebaixamento vergonhoso para quem se considerava merecedor de atenção. Jesus sugere agir de maneira contrária. Melhor escolher o último lugar, assim, se o dono da festa achar por bem colocar você mais na frente, esse reconhecimento será uma honra. Autoestima é ter consciência do valor e da dignidade própr ia e de cada ser humano; não significa, porém, avaliar-se acima da realidade e, no fundo, ser obcecados pelo orgulho de si mesmo.

Na segunda parte do evangelho, Jesus continua o seu ensinamento. Um belo sinal da humildade verdadeira de uma pessoa aparece quando ela organiza, por exemplo, uma festa. Se convida os amigos r icos, ou somente pessoas importantes, significa que ela também se considera parte desta classe social “superior”. É fácil distribuir honrarias, elogios e favores quando se espera receber de volta tudo o que foi dado. Isso não tem nada a ver com generosidade, simplesmente foi um agradar quem poderá devolver até mais no momento oportuno. Para os seguidores de Jesus deveria ser diferente, eles não devem agir acompanhando os critérios deste mundo. Devem aprender com Deus, que é generoso com todos, e com ele mesmo, Jesus. O discípulo deve agir com gratuidade, sem esperar recompensa. Acontecerá assim somente se convidar para um almoço ou um jantar os pobres, os pequenos, os que nunca terão como lhe dar algo em troca.

Nesse caso, sim, será pura generosidade, porque o amor verdadeiro viaja de mão única. Se esperar algo em troca, terá mais o gosto de interesse que de doaç&at ilde;o. No entanto, o próprio Jesus fala em recompensa. Certo, mas essa “recompensa” não será a curto prazo e nem calculada. Será o prêmio que Deus Pai reservará para os seus “filhos”, ou seja, aqueles que, de alguma forma, mesmo sem saber, doaram algo aos irmãos pela simples e maravilhosa alegria de fazê-los felizes. Humildade, portanto, é acreditar que somos muito amados sem merecer, que já recebemos muito e, por isso, procuramos aprender a doar, ao menos um pouco, do que nos foi derramado com largura no coração. Melhor perder uma medalha e ver o outro sorrir que estufar o nosso peito de orgulho. Uma “derrota” útil, porque se transforma em grande vitória sobre a nossa inútil soberba.  

O furo na parede

O furo na parede
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá

Havia uma casa de espessas paredes, construída há muito tempo no alto do monte. Estando isolada não era servida pela rede elétrica. Uma bela manhã, o velho camponês que a habitava, viu subir até a sua propriedade um carro cheio de material.

– Estamos para passar uma linha elétrica pelo planalto. Ela vai ficar perto da sua casa. O senhor gostaria de ser ligado a ela?

– Certamente! Seria maravilhoso! Terei enfim luz todas as noites, corrente para a serra e o torno, as imagens da televisão o dia inteiro!

– Mas as paredes da sua casa são espessas. Teremos que fazer um furo para a linha passar.

– Isso nunca! Vai fazer barulho, encher tudo de poeira! Na minha casa vocês não vão entrar! Não vão mexer nas minhas paredes! E o camponês teimoso, por não aceitar fazer uma brecha em sua carapaça de velhos hábitos, ficou sem luz em sua casa. Preferiu ficar no escuro e no escuro ficou.

Peço desculpa por contar uma historinha boba no domingo no qual encontramos uma das páginas mais lindas e comprometedoras dos evangelhos: a parábola do bom samaritano. A “compaixão” é a brecha que abre o nosso coração e deixa entrar a luz de Deus Amor. Dos três homens que encontraram o desafortunado caído no chão, somente um se deixou envolver, comprometeu-se e gastou do que era seu para ajudar. Somente ele se tornou “próximo” de verdade do ferido. Os outros dois, apesar da sacralidade e respeitabilidade do ofício, passaram adiante. Todos nós sabemos que é muito fácil encontrar desculpas para tentar justificar o nosso coração de pedra. Para muitos, hoje, a “compaixão”. É uma fragilidade sentimental. Para Jesus era só amor ao próximo, sem enfeites ou holofotes, sem tantas leis, verbas, projetos, ONGs e tudo mais. Algo, enfim, ao alcance de todos. Basta um coração amoroso e compassivo. Um coração “humano”, a imagem e semelhança do coração de Deus.

No final do trecho evangélico, ficamos sabendo que o mestre da Lei, que tinha feito a pergunta, entendeu o ensinamento. A ele, e a todos nós, Jesus diz: “Vai e faze a mesma coisa” (Lc10, 37). “Fazer”! A parábola do bom samaritano não é simplesmente um bom conselho ou uma orientação moral, é a exemplificação da identidade do cristão. “A vida eterna” é mais do que um prêmio ou uma herança para o outro mundo, após a nossa morte. Ela é a presença de Deus em nossa vida agora, deve ser a luz que ilumina e dá sentido ao nosso agir no dia a dia. O que virá depois será pura gratuidade de Deus da sua infinita misericórdia e bondade.

Nós, cristãos, tomamos muito a sério o “mandamento” de Jesus: “Fazei isso em minha memória”. Fazemos isso em todas as missas. É a “memória litúrgica” de Jesus à qual deveria corresponder a “memória existencial”, porque não pode ter separação entre o que cremos e celebramos e o que vivemos. Quem tem dupla personalidade está doente. Deve se deixar curar. E a cura vem do outro “mandamento” que Jesus nos deixou também na Última Ceia, antes da sua paixão e morte. No fim do lava-pés, Jesus perguntou aos discípulos se tinham entendido o seu gesto e, à resposta afirmativa deles, disse: “Dei-vos o exemplo, para que também vós façais assim como eu vos fiz” (Jo 13,15). De novo, um “fazer”! A fé cristã é mais que um conjunto de do utrinas e práticas religiosas. É uma maneira de encarar a vida humana com todas as suas belezas e fraquezas, com seus anseios e esperanças, mas também dúvidas e incertezas. Toda escolha traz um risco e revela em que confiamos mesmo. Se nos tornamos próximo dos sofredores é sinal que acreditamos no amor fraterno, que a nossa esperança não está tanto nas coisas e nos bens materiais, mas na possibilidade do coração humano de se tornar como deveria ser, fraterno e não inimigo, solidário e não indiferente. A luz da nossa vida não pode ser o dinheiro ou o último lançamento tecnológico ou a mais badalada diversão, só pode ser a capacidade de amar e fazer o bem a que precisar. Isto é possível a todos, cristãos e não, “homens de bem” e malfeitores. Basta abrir uma brecha. A luz do amor, que é Deus, entrará.