Chá da tarde

TELA
Aluízio Botelho da Cunha

O pincel fixou sombras escuras
nas sobrancelhas da moça
e deu um tom de tardes prematuras
nos olhos claros
da clara judia.
(Também já esbocei olhos e sóis,
subjugando curvas
sobre rosto oblíquo)

Dei traços de luz
em cabelos cor de noite,
e auroras nasceram
do sol ardendo,
houvesse, embora,
eclipse solar.
Se eu modelar, um dia,
novas dimensões da tua presença,
atrairá teu corpo
a lei da gravidade dos sentidos.

(Extraído da antologia Modernos Poetas do Amapa – Macapá-AP, 1960)

Chá da tarde

Rosa sangrando
Alcy Araújo

A rosa sangrava
como um poeta.
Uma rosa atropelada
por passos apressados
de operários na calçada.
A rosa sangrava
defronte do anúncio luminoso
amenizado pela luz da manhã
que nascia do mar.
Era uma rosa rubra
sangrando
sem jardim
sem mão mulher
sem os cabelos de Izaura.
Nunca mais esqueci
aquela rosa sangrando
como um poeta bêbado
despetalado na calçada.
(Do livro “Jardim Clonal”

A carta, o homem, eu e o tempo

A carta, o homem, eu e o tempo
Ruben Bemerguy

Ruben_8-150x150Não conheço quem na vida tenha escrito uma carta só e pronto. Quem escreve uma carta, escreve outras tantas. Não é o hábito de escrever que faz com que se escrevam cartas. As cartas são escritas porque movem almas, e almas não vivem sem esse exercício álmico. Também não sei daquele que tenha lido a mesma carta uma vez só e pronto. É que a alma de quem lê carta, igualzinha a alma de quem escreve, carece do mesmo exercício álmico. Dizem também, não sei se verdade é, que os escritores de cartas predizem vidas.

Contam que um dia um homem quis escrever uma carta. Na carta ele queria contar uma história que há muito colecionava nas mãos. Ele, desde criança, vivia em núpcias secretas com essas mãos. Foi a destra, por exemplo, quem descosturou-lhe o casto.  Foram elas que fingiram não olhar os olhos do homem, quando do homem singravam luzes quase brancas e roucas que aos poucos aquietam-se em assoalhos molhados de sóis. Mãos mesmas que cavaram os subterrâneos palcos, por onde aquele homem passaria a imprópria existência. Eram íntimos assim. As mãos só lhe negavam escrever cartas, qualquer carta, mesmo que fossem mãos versadas em eruditas letras.

É que elas sabem que só os escritores de cartas assinam palavras exatas, embora eu não acredite em palavras exatas. Mas, como não importo para as mãos e elas sequer me ouvem, nenhum préstimo tem o que penso ou o que deixo de pensar.

Então sem pressa o homem lançou vistas ao céu e viu nele o reflexo de algo assemelhado a um papagaio empinado pelo tempo, navegando em linha de um algodão delgado, quase transparente a olhos que fossem destreinados nessa arte. Quis se ir, porque lá imaginara que toda carta haveria de ser escrita escape dos limites que as mãos assinalaram. No rumo, o homem mimava o tempo.

Eu, que nem o homem, mesmo quando imantava a Lua com meu fado, quando desabrido, quando desnudo de toda armaria, quando de véspera envelopava sonetos viris, também mal acostumei o tempo. Eu o bercei e o aninhei por muito tempo. Fiz de tudo para habituá-lo ao silêncio. Fixa-lo. Proibir-lhe a desenvoltura dos movimentos assíduos, para que nunca mais fosse adiante. Seríamos iguais, eu e o tempo. Mas o tempo, feito as mãos, foi indiferente a tudo. Quando eu nasci, o tempo não era tão vulgar assim. Supõe o tempo que tudo a ele retorna, sem qualquer ordem, pigarro ou resmungo.

É curioso, mas o tempo, ainda que ubíquo, seguramente egocêntrico e libertino, para dizer o mínimo, tal como as mãos, também não redige cartas e esse é o seu maior castigo. O tempo tem a vida que pediu a deus e disso ninguém duvida, mas carta ele não escreve. Bem-feito. Quem conserva a vida em urna e já no primeiro gemido espia incinera-la, não pode escrever cartas. Isto é evidente. Admiro deuses que punem fraternalmente o tempo.

Ah! foram assim tempos difíceis os  que bercei e aninhei o tempo.

Mas o homem, diferentemente de mim, não. Crê no tempo. Sequer enxerga a punição que se lhe infringe  e ainda teima que o tempo pode lhe escrever as tais cartas. Aliás, melhor dizendo, acho que a crença do homem no tempo não passa de um pretexto. Essa crença não é mais do que exercício de expiação do homem. O certo é que de pé em pé ele lá está ao encontro do tempo ritmado no cabeceamento do papagaio empinado.

Quando vejo homens como o homem do qual falamos, firmo que o tempo é mesmo parasitário. O tempo se alimenta, sem clemência, dos que nele creem e é assim que põe a todos em cárcere. Que me socorra uma palavra que desacate o tempo e suas artesanias. Uma só. Tivesse eu essas poucas sílabas e tornaria à vida e  ao ventre do amor-próprio, dizendo-lhe resumido o que penso. Se não as tenho, então, nem uma coisa, nem outra. Estou a mercê de uma palavra que o maltrate na regra que merece.

Minha aversão ao tempo é tamanha que, confesso, até pensei em sitiá-lo. Tenho pronta uma cilada para cada minuto dessa caça. Primeiro, encontraria o tempo. Depois, sem que percebesse, esconderia do tempo todas as manhãs e todas as tardes. Da noite, só consentiria a ele a escuridão. Provocaria atroz sonolência. Teria a sua posse. Descobriria cedo que o tempo é curvo e autofágico. Uma vez exaurido pela quebra do ritmo de seus entretempos, apoiaria meus lábios nos seus lábios e, sôfrego, tragaria seus líquidos ferozes com a volúpia que o tempo ensina. Na hora exata armaria meu relâmpago em ângulo impecavelmente reto e, sem temer imprevisto algum, o pousaria nos canais do tempo.  Embrasados e justapostos nus quedaríamos sem épocas até concluída essa combustão.

Quanto ao homem, sei que permanece responsavelmente atento ao tempo que empina o papagaio. Para ele, só no tempo encontrará o escritor de cartas e só assim desguardará as histórias que abriga nas mãos. Isso é respeitável. Mas para mim, faria melhor se não aguardasse pelo encontro do tempo. Se o entrincheirasse, se erguesse barricadas e se o embaraçasse em seu território, então o homem seria o tempo e o tempo a palavra, infantaria e carta.

Poesia na Pedra e na Serra

apedra1O Movimento Poesia na Boca da Noite pegou o trem neste mês de dezembro e foi parar no município de Pedra Branca, lá durante a madrugada a cidade e seus moradores foram presenteados com dobraduras poéticas.

Nas praças, órgãos públicos, igrejas, casas, comércios foram penduradas origamis de  borboletas coloridas e pássaros chamados tsurus –  símbolos de alegria e beleza –  com poesias, pensamentos e passagens bíblicas.

pedra1Também foram compartilhados os presentes-origamis com as escolas de Pedra Branca e Serra do Navio.

apedra2Exemplares do livro Poesia na Boca da Noite  carinhosamente “esquecidos” nos bancos das praças de Pedra Branca foram mais um presente para o povo de lá. Vários exemplares também foram doados para bibliotecas e escolas dos dois municípios.

pedra4Foi lindo ver a cidade  acordar colorida e seus moradores carregando seus presentes-poesias.

Chá da tarde

Vertiginoso como o primeiro beijo
Ray Cunha

A cidade pulsa ao calor. Há dias de vento forte, e chove. Assim é dezembro. Lemos, nas mentes das pessoas, que depositarão RAY CUNHAnovamente todas as suas esperanças no primeiro dia do novo ano, pois isso já está assegurado, porque a vida renasce todos os instantes, para o que precisamos apenas ofertar rosas para a madrugada.

Dezembro traz toda a magia da vida, até para os que se julgam perdidos na noite eterna dos danados; basta ouvir o riso dos pequeninos para que surja o sol no jardim do coração. Não importa quanto mal tenhamos praticado, quando sentimos o perdão, todas as correntes se partem e descobrimos que é fácil voar.

Abrirei meu relicário e ofertarei todas as pedras preciosas que reuni em 59 anos, para ofertá-las; são focos de luz, que só vemos com o coração. Pretendo ouvir mais a madrugada, para produzir esmeraldas, rubis e diamantes.
Em dezembro, brota uma flor nos olhos da mulher amada, as manhãs são redentoras, as tardes escoam como rios amazônicos e as noites são navios grandes e bem iluminados.
Sou o apanhador no campo de centeio. Estou aqui, de vigília; as crianças brincam. Estou atento. Se a bola cai longe, vou apanhá-la e a devolvo para as crianças. Se uma delas se machuca, consolo-a, e quando sentem fome, alimento-as, e se alguma delas quer ficar triste, alegro-a, pois posso até voar.
E assim vão-se os dias, embalados pelo azul. O Natal bate à porta do meu coração, e virá o novo ano, num voo vertiginoso como o primeiro beijo. As madrugadas, as noites tórridas da Amazônia, o choro dos jasmineiros, o Atlântico, abrem-se na minha vida em veredas de zínias e rosas colombianas, vermelhas. E isso é tudo o que eu quero.
( Escritor e jornalista natural de Macapá, Ray Cunha é autor de vários livros de contos, poesia e romance. Mora em Brasília há vários anos. Para saber mais sobre ele e suas obras visite o blog http://raycunha.blogspot.com.br)

Ontem na Boca da Noite

Na bela e iluminada Praça Veiga Cabral, o Movimento Poesia na Boca da Noite estendeu o Pano da Poesia e espalhou lirismo, ternura, alegria e versos pela praça. Os passantes, atraídos por essa energia tão boa, paravam e se juntavam ao Movimento para ler, declamar, ganhar livros e origamis com poesias, cantar e ouvir histórias de Natal.
Foi lindo!
SSS

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Hoje na Boca da Noite

jocaHoje, no Movimento Poesia na Boca da Noite, além de livros, varal, muita poesia, ciranda e a participação especial do artista e contador de histórias Joca Monteiro,  vai ter bolo e guaraná para comemorar o aniversário da querida Gloria Araujo, que está completando 74 anos de idade. Autora de belíssimos poemas, Gloria é uma das fundadoras do Movimento. É uma pessoa super especial e sempre de bem com a vida. Merece todas as homenagens.Gosta de poesia, de ciranda, de histórias? Então vá lá. Vá viver momentos inesquecíveis de ternura, lirismo e alegria.

Chá da tarde

O NATAL DE UM MENINO POBRE
Raimundo Donato dos Santos

Era véspera de Natal!
E a voz do sino
Voltou a bimbalhar
No vilarejo.

La no triste casebre
De um menino,
A miséria encontrou
O seu destino,
E a pobreza marcou
O seu lugar.

Quantas noites
Chorou de fome e frio?!
Sem o afago da mãe
Pra o consolar!
Pois, perdera a coitada
Em um desastre;
Só o pai lhe restara,
Que em parte,
Mendigava
Para o filho sustentar.

Pobre inocente…
Recolhido em seu tugúrio,
Nenhum presente
O pai Noel viera dar!
Quantas crianças,
Recebendo suas caixinhas,
Para juntos com a família
Festejar!

Ante o opróbrio
Da dor que consumia
O coração do pai e filho
Já doente.
O genitor resolvera dar ao filho
Uma lembrança;
Um trenzinho de presente.

Foi, então,
À procura do que vira,
Descansando
Na vitrine de uma loja.
E…de repente…
Lá está,
Não é mentira;
E de uma vez
Conseguiu surrupiar.

Chá da tarde

TREJEITO
Rocha Filho Poeta Ribeirinho

Rocha Filho Poeta RibeirinhoTanto à que desfila ante meus olhos,
Com tal elegância, a vi voar,
Geometricada o afã só traz-me,
Qual que desenhada ao meu prazer,
Ser sequenciada ao que me dizem,
Como se não soubesse o que fazer
E bem antes que o degelo a contamine,
Chega-me um sorriso a ovacionar,
Cobre-me com um olhar feito trapézio,
Vendo-a me sorrir, Faz-me sonhar,
Mesmo que este canto só me encante,
Busco-me num mar que se afogou,
Roubo-me ao seu meu pensamento,
Sinto à que me possa respirar,
Sou tão mais eu, sim, neste momento,
Ser você? Quem me dera possa ter.