Pra onde vamos – Por Evandro Luiz

“Pra onde vamos”
Evandro Luiz

8 oito de julho de 2014. Estádio lotado. A maioria, cerca de 98% dos torcedores, tinham características bem comuns. Eram fruto de uma miscigenação que no fundo no fundo revela que o país sempre foi uma porta aberta para os estrangeiros, sendo eles pobres ou ricos. Os outros 2% eram bem diferentes: brancos, olhos azuis, alguns gordos com cabelos e barbas avermelhadas. Bebiam em canecas um líquido amarelo, como se fosse um estimulante.
Não paravam nunca.
Dançavam, gritavam, alguns deles foram flagrados chorando, comemorando o sétimo gol. É como se eles estivessem em transe. Vieram pra mostrar um bom futebol, mas o resultado do jogo, os colocava como favorito do torneio.
Os nativos não acreditavam no que tinham visto.
Os brasileiros de norte ao sul experimentavam o gosto amargo da derrota.
Será que um dia vamos voltar a jogar futebol como antes? Se perguntavam.
O engenheiro Raul Gonzaga e o filho Alexandre saíram de Brasília e foram ver o jogo em Belo Horizonte. Depois da partida, o retorno pra casa, o silêncio entre os dois era monástico. Voltaram para o planalto central, onde a atmosfera estava altíssima. Há 4 meses, em 17 de março de 2014, policiais federais descobriram que um posto de gasolina, era na verdade um lugar onde se praticava lavagem de dinheiro. Havia fortes indícios de que políticos e empresários estavam envolvidos no esquema.
O engenheiro Raul Gonzaga que fazia parte staff de  gabinete de um senador, teve a casa arrombada pelos federais e ficou preso por um período de 5 dias. Ele foi acusado de fazer a ponte entre os empreiteiros e os políticos.
Durante 5 anos o Brasil foi virado do avesso e até hoje a operação continua descobrindo que o trabalho está longe de ser concluído.
Alexandre Gonzaga comunicou ao pai que o amigo Wilson Lidembergue viria para o norte, para a construção de hidrelétricas na região. No Araguari, que media forças com as águas do oceano Atlântico, proporcionando o fenômeno da Pororoca, foram construídas mais duas hidrelétricas.
Assim, o fenômeno que atraía centenas de turistas todos anos, teve um fim melancólico. Grandes áreas foram inundadas, outras receberam aterros. Mas agora o Estado estaria interligado ao resto do país pelo linhão do Tucuruí.
Com as fortes chuvas que caíram na região, os grandes lagos da usina estavam cheios. Para não romper as barragens as comportas foram abertas. A pequena cidade foi pro fundo, toneladas de peixe morreram. A população pedia socorro. Um preço muito alto para as comunidades que viviam às margens do único e genuinamente rio amapaense.
O Ministério Público foi acionado e intimou Wilson Lindemberg e Alexandre Gonzaga. Mas os dois fugiram e foram vistos pela última vez tentando tirar o carro de um atoleiro na BR 156. Eles tinham como destino a Guiana Francesa.

Os invisíveis – Evandro Luiz

Os invisíveis
Evandro Luiz

O Rapaz, com aparência de 23 anos de idade, vinha da corrida matinal. Entrou pelo portão principal do prédio e foi direto para o elevador. E o seu Manuel Almeida, nascido no Município de Caicó — Região do Seridó, no Rio Grande do Norte, trabalha há vinte anos no mesmo local. Fechou o portão, com a mesma leveza de quem sabe o seu ofício.

A empregada doméstica, dona Maria da Conceição, nordestina do Ceará, diariamente passava por ali, e sempre encontrava Manuel Almeida, mas já não o via há quase uma semana. Quando perguntava por Manuel, a resposta era sempre a mesma: Ninguém sabe, ninguém viu.

Mas, de repente… um ser invisível a olhos nus e com uma força apocalíptica, parou o mundo com poder letal. Como por vingança aos insignificantes, colocou desempregados, moradores de rua, catadores de lixo, índios e tantos outros a terem os cuidados de quem tem visibilidade.

Mesmo a contragosto dos poderosos de plantão, os invisíveis têm agora conta bancária e até ‘CPF’.

O inimigo invisível é implacável! Para ele, não tem limites e nem fronteira. Por onde passa, há muito choro e ranger de dentes, além de mostrar a fragilidade do ser humano.

E por onde anda Manuel de Almeida, do Sertão de Caicó? Ninguém sabe, ninguém viu. Talvez esteja na terra em que nasceu. Lá ele é amigo do Rei, tem a mulher que quer, na cama que escolher. Ali não era feliz.

Ou quem sabe tenha virado estatística, também vítima do invisível?!

Você já viu porco dar risadas?

Você já viu porco dar risadas? Eu também não.

Mas é comum a gente falar “que porco dá risada” quando nos referimos a uma fruta muito, mas muito, azeda, muito ácida.

“Nossa! Essa laranja tá tão azeda que até porco dá risada”, dizemos, fazendo careta, quando chupamos uma laranja insuportavelmente ácida.

Quando criança tentei várias vezes ver um porco rir, jogando a ele as frutas mais ácidas, como araçá, taperebá, limão caiana…

Tínhamos um vizinho que todo ano criava um porco para comê-lo no Natal. A vizinhança, sempre solidária, costumava mandar “babugem” para alimentar o bicho. Babugem é aquele resto de comida que fica nos pratos após a refeição. Junta-se os restos de todos os pratos, coloca-se numa tigelinha, numa lata ou num saco e aí está pronta a “babugem” que vai ajudar a engordar o suíno.

Pois bem, com a desculpa de jogar a “babugem” para o porco, a molecada jogava também um pedaço de araçá, um limão ou uma banda de laranja super azeda e ficava ali, escorada no chiqueiro, à espera que ao comer aquela coisa o porco do vizinho começasse a dar sonoras gargalhadas.

Às vezes o porco comia, outras não. Mas rir, nunca. Pelo menos na frente da patotinha.

Será que o porco era tímido e tinha vergonha de rir na frente de várias pessoas? A gente se perguntava isso, pois volta e meia algum moleque chegava contando que quando estava sozinho com o bicho ofereceu-lhe uma fruta azeda, o bicho comeu e se danou a rir. O moleque então entrava para a lista dos sortudos da rua e conquistava assim a posição de líder entre os demais.
(Alcinéa Cavalcante)

Quando a alma é uma canção

QUANDO A ALMA É UMA CANÇÃO
Alcy Araújo Cavalcante


O poeta pensou que fosse fácil falar, fosse fácil escrever, dizer qualquer coisa, neste dia de amor filial. A emoção, porém, interdita o gesto de escrever. As palavras ficam prisioneiras e a alma é uma canção que chora silêncios, neste domingo do mundo.
Penso no olhar de minha mãe rezando. No olhar que me viu pela primeira vez e adivinho um universo de ternura. Ternura que se transmitiu a mim e me fez poeta. Acho que sou poeta porque a sensibilidade de minha mãe assim o desejou.
Tanta coisa para dizer e este poeta sem palavras, com o coração cheio de lágrimas. E a inspiração defronte, doendo como um remorso. O poeta se pergunta se é um bom filho. Se merece amor. E não encontra resposta. É que hoje é dia das mães.
Que pode dizer este poeta, meu Deus, neste domingo? É melhor não dizer nada. É melhor pedir perdão. Bênção, minha mãe… perdoe seu filho.
Depois beijar as mãos enrugadas de mamãe e chorar. Chorar muito, até a alma se purificar com o fogo das lágrimas. Lágrimas caindo no rosto de minha mãe, no beijo de minha mãe, nos cabelos grisalhos de minha mãe.
Mãe que é perdão, súplica, oração, bondade, fé. Mãe onde ainda posso depositar minhas mágoas, meus desencantos, minhas grandes dores, minhas angústias só minhas.
Mãe que me pôs no mundo para a glória de ser poeta, para amar, para sentir as grandezas e as misérias do mundo. Mãe que me fez homem. Que me ensinou a ser bom, até o limite em que um homem pode ser bom. Que me ensinou a ser generoso até onde me permitem as minhas humanas limitações. Que me fez humilde até onde é possível meu orgulho. Enfim, que me fez filho, nada mais que um filho que ainda precisa de carinho porque não encontrou o caminho do retorno.
Minha mãe, acabaram as minhas palavras. Mas o meu amor permanece.

(O poeta, escritor e jornalista Alcy Araújo Cavalcante, meu pai, nasceu em 7 de janeiro de 1924 em Peixe-Boi, no Pará, e morreu em 22 de abril de 1989 em Macapá. Sua mãe, Elvira Araújo Cavalcante, morreu em novembro de 1971 em Macapá)

Um jabutizão

Certo dia andando pela cidade vi esse fusca estacionado ao lado do Teatro das Bacabeiras. Fotografei porque lembrei de uma historinha que o Alípio Junior me contou jurando que é verdade.
Bom, segundo o Alípio, numa comunidadezinha lá  nas brenhas do Amapá – onde nunca passava um carro – um dia o pessoal ouviu um barulho estranho e correu pra ver o que era.
Era um fusca.
E todo mundo apontava e exclamava: “ulhaaaaaa!  ulhaaaaaaaa! é  um jabutizão!
Quando o Fusca parou e o pessoal que estava dentro começou a descer, o povo se armou de pau, terçado e enxada e partiu pra cima do carro para destruí-lo.
Ora, um jabuti desse tamanhão já era muito estranho. Mas o pior de tudo é que o jabutizão comia gente e depois vomitava-as inteirinhas por dois buracos que se abriam na lateral do casco.
Tá é besta que aquele povo ia deixar esse bicho – que parecia coisa do outro mundo – ficar vivo andando por aí pra comer mais gente. Jamais!

Como um “causo” puxa outro,  lembrei também da primeira vez que um helicóptero passou num interiorizinho distante, muito isolado. O povo quando ouviu o barulho, olhou pro céu e viu aquilo, saiu em desabalada carreira pra se esconder na mata gritando: “Socooooooooorro! Socooooooooooooorro! Um gafanhotão quer pegar nós”.

Quando a gente se guiava pelas estrelas

Quando a gente se guiava pelas estrelas

“Olha! Olha!” Exclamava o menino apontando para o céu.

“Lá vai, lá vai”.

E todos olhavam e viam e falavam sobre o objeto que passava saltitante entre nuvens e estrelas.

Não. Não era um disco voador. Era simplesmente um satélite, provavelmente desses que ficam fotografando a Amazônia.

Diversão da meninada naquele tempo, quando a noite caía, era sentar na frente da casa e olhar o céu, caçar satélites e estrelas cadentes, procurar São Jorge na Lua e identificar constelações.

O telescópio era um canudo de cartolina.

Ah, tempo bom, quando a gente sabia se guiar pelas estrelas e sonhava ser astronauta para visitar outros mundos, brincar em outros planetas e, depois, voltar à Terra com as mãos transbordantes de estrelas.

Trazer também uns fiapos de nuvem para fazer algodão doce, pois que a vida, meu irmão, era uma doçura e plena de encantamento naquela rua sem asfalto, sem bangalôs, sem muros e sem televisão.

(Alcinéa Cavalcante)

Quando eu deixar de ser menino!

Quando eu deixar de ser menino!
Ernâni Motta

Quando eu deixar de ser menino, vou ver se aprendo a fazer alguma coisa, quem sabe consigo?… Por exemplo, quero construir uma estrada pavimentada com carinho, o meio-fio, vou fazer de ouro para que todos possam vê-lo bem, com árvores equidistantes a fim de que as moradias possam dividir os raios de Sol com sombra para deixar o ambiente o mais ameno possível!

Então, nela, vou construir uma casa de poucos cômodos, bem arejada, decorada com simplicidade e alguns móveis de madeira enfeitando salas e quartos! Vou esticar redes, pela varanda para que, preguiçosamente, possamos ver o dia passar e filtros de barro para não faltar água fresca!

Quando estiver tudo do jeito que a minha imaginação de menino desejou, vou lhe pedir para ir morar comigo!… Aí, de manhã, a gente vai ouvir a sabiá cantar, a família de bem-te-vis fazer a maior algazarra, os cachorros latirem, como que cantando para anunciar o novo dia!

Assim, sem pressa a gente vai viver os dias de calor ou de frio, de sol causticante ou de chuva fina! Nos dias de calor, nos refrescamos com suco de graviola e nos de frio, nos aquecemos com chocolate feito com o caroço de cupuaçu! Você não conhece? Pode deixar, lhe mostro e ensino com se faz! Eu aprendi com a minha mãe!…

Ao cair da tarde, vamos passear, pela estrada, de bicicleta, cumprimentando os vizinhos e rindo das travessuras da molecada! Até que o suor nos escorra pelo rosto e as pernas cansadas nos digam que está na hora de voltar!

Antes de voltar, porém, damos um mergulho no igarapé para recompormos as energias e fazer uma viagem quimérica, como nos meus tempos de menino. Você vai adorar, posso lhe garantir!

À noite, a gente liga o rádio para ouvir músicas que nos acalantem os corações! Ah! Se eu soubesse, iria declamar poesias para você, mas eu acho que as músicas serão bem melhor!

E quando você adormecer nos meus braços, lhe cubro com uma leve manta, que a proteja do frio, sem lhe dar calor!… E abraçados dormimos até que um novo dia chame pela sabiá, a família de bem-te-vis e pedindo o latir dos cachorros!

O Dia do Professor – Ernâni Motta

O Dia do Professor
Ernâni Motta

Sempre fui um aluno um pouco abaixo da linha da mediocridade, porém, minhas professoras jamais desistiram de mim! Eu até acho que os dois neurônios, que me foram dados, possuíam uma boa sinapse, o problema é que sempre fui preguiçoso, quando o assunto era, principalmente, estudar!

Eu acho também que elas percebiam com facilidade a minha preguiça, daí, insistirem comigo. Não vou citar nomes para não ferir suscetibilidades, ao esquecer de uma delas, já que foram em um número significativo! Como já vivi algumas décadas, sou do tempo em que a gente começava pela alfabetização, passava pelo primário, secundário, científico para se chegar à faculdade!

Daí que, por ser um cara preguiçoso, vocês podem imaginar o meu sofrimento ao me envolver com livros, cadernos, trabalho de casa… essas coisas! E vocês imaginem também quantas professoras passaram pela minha vida. Isso sem contar os professores, que lá no Ginásio de Macapá, chamávamos de “Mestre”! Esses eram um pouco menos condescendentes comigo, mas, nenhum desistiu de mim!

Então, nesse Dia do Professor, acredito que a melhor homenagem às pessoas que, com tanta abnegação, conseguiram me ensinar um pouco além do que a minha preguiça permitiu, é reconhecer a sensibilidade, a paciência, a sabedoria em lidar com um aluno como eu!

No meu tempo de aluno, os professores eram respeitados, queridos, vistos como fonte do saber, pois, era isso que eles eram! Hoje, lamentavelmente, vemos reiteradas vezes professores sendo agredidos pelos próprios alunos e seus pais e/ou responsáveis, sem contar os parcos salários, as precárias condições das salas de aula, o descaso dos governantes.

Agora, essa penúria não são vistas apenas nas escolas públicas, nas particulares com boa frequência pode-se ver o professor sendo submetido ao mesmo tratamento… senão, pior!
Todavia, o professor é um intrépido, um obstinado, por isso, nunca desiste de sua missão de ensinar, isto é, nenhum obstáculo, por mais penoso que seja, o faz renunciar à missão que Deus lhe concedeu!

Meus eternos Mestres, muito obrigado, pela obstinação em me ensinar o “bê-a-bá”, que tanto me serviu e continua a me servir pela vida afora! Que a inteligência, com a qual vocês são dotados, seja potencializada a cada vez que encontrarem um novo aluno como eu! Que Deus os abençoe!

E, como esse reconhecimento aos meus professores, faço a minha homenagem a todos os professores, homens e mulheres, tratados com tão pouco caso, nesse país! Mas, se posso dizer alguma coisa, faço um pedido: Como os meus professores, jamais desistam do sacerdócio que Deus atribuiu-lhes!

Cenas cariocas – Rui Guilherme

CENAS  CARIOCAS
Rui Guilherme*

Cena de ida. Manhã de primavera na praia de Copacabana. Céu azul, mar caribenho, temperatura 27 graus. Perfeito.

Jonas ao volante do táxi amarelinho. Gordinho, puxa assunto de  futebol. Minha resposta foi que ao fim deste mês nosso Flamengo vai devorar o Grêmio. Maracanã é nossa casa. Aqui não vai ter árbitro argentino, nem VAR argentino para garfar três gols do Mengão e dar de bandeja, no apagar das luzes, o empate ao Imortal de Porto Alegre.

Jonas fecha a cara. Respeitosamente, mas fecha. – “Ué”, estranho eu. – “Até parece que você ta virando gaúcho…”,.. – “Gaúcho, não, doutor. Carioca, sempre. Mas Botafogo, sempre.”. Novo ué da minha parte. – “Mas, Jonas, se o amigo fosse vascaíno, até que eu entenderia você não torcer pelo Flamengo. Mas, Botafogo?!? – “Pois é, doutor. No dia do jogo tou pensando até em encarar um chimarrão…”

Lembrei-me de meus bons amigos gaúchos de Macapá. Gremistas, estarão prometendo oferendas para o Negrinho do Pastoreio para ver se passam pelo tsunami rubronegro. E os gaúchos colorados, estes estarão todos em solidariedade com a urubuzada.

Cena de volta. Na porta do laboratório, no Leblon, um outro táxi amarelinho. Toyota Corolla, modelo antigo, transmissão mecânica. Motorista, um grandalhão sorridente, queimado de sol.

-“Táxi? Vamos lá, doutor.”. No banco do passageiro, um jovem com a camisa do Vasco mexia no painel. –Tá livre? Mas é que eu quero ir no banco da frennte por causa do cinto de segurança…” – “Sem problema. Esse vascaíno aí é meu filho que tá acertando pra mim o relógio digital. Só essa moçada é que entende dessas coisas modernas”, fala o chofer, um largo sorriso a iluminar-lhe a cara bonachona.

-“O senhor gosta de mágica?”, perguntou. –

–“Hein?”. – “Olha a ponta da caneta. Que cor é? – “Azul”, respondi. – “Não, doutor. É rosa.” – E mostrou um coração rosa na ponta da caneta.

– “É que minha profissão é mágico. Tou aqui dirigindo este meu táxi para complementar a renda e ajudar no meu condomínio, que tá muito caro.”

Passou-me cartão de visita: Janjão, mágico. Aceito fazer espetáculos em eventos e aniversários. – “Ligue pro meu telefone e em seguida  eu apareço.”

Janjão contou-me que trabalhou muito tempo na Globo, fazendo mágicas no show da Xuxa. Até colocou no televisor do carro um show em que ele aparecia fantasiado de preto, com cartola e tudo, arrasando com a Rainha dos Baixinhos.

– “Pois é, doutor. Quando eu tava na Globo, ganhava muito bem. Consegui comprar minha cobertura aqui no Leblon, com vista da praia. Mas meu pai bem que dizia que, ao morrer, iria deixar o táxi dele para mim. Assim, quando meu velho morreu, fui lá na prefeitura e consegui passar a chapa pro meu nome, e com isso vou pagando minhas contas, fora os espetáculos, quando me contratam. Formei o mais velho, que é músico e cientista político. Ele tem uma banda e me conseguiu ingresso para a área vip no Rock in Rio. E é pra lá que vou hoje á noite, de BRT, curtir meu heavy metal. Sou fã, sabe? E, quando as coisas apertam, se vejo que estou querendo ficar de mau humor, paro tudo e me jogo na praia para pegar onda. O mau humor some como num passe de mégica!”

Perguntei da Xuxa. Disse que ela está se virando, que as coisas não eram mais para ela como um dia já tinham sido, mas que ela até comprara um apartamento em Nova Iorque, onde mora a Sasha (- “que conheci menininha”, disse).

“Pois é, doutor”, arrematou quando finalizamos a corrida de volta, em Copacabana. – E assim se vai levando a vida. Como meu coroa dizia, nada é para sempre.”

Nada é para sempre. Nem os carrinhos da Kibon na praia, onde se compravam sorvetes Chicabon e Eskybon. O Chicabon era tipo picolé, com o palitinho de madeira. O Eskybon era tipo um tijolinho com cobertura de chocolate e miolo de creme, sem palito, embalado numa caixinha, muito gostoso.

Naquele tempo, e até bem antes da Xuxa e do mágico Janjão, fazia enorme sucesso o maravilhoso cantor Cauby Peixoto.

Lembramos, Janjão e eu, que o Cauby, que Deus já levou, era um  moreno boa pinta, que usava pesada maquiagem, homosseual assumido. Cauby inspirou o carioca a apelidá-lo de Eskybon. Por que? Porque, como o Eskybon, era moreninho, fresquinho e sem pauzinho.

Passou Cauby, passou a Xuxa, passou o apogeu do Janjão. Tudo passa. Nada é para sempre, dizia, filosoficamente, o pai do mágico. Para sempre, que eu saiba, só as ondas e as\ dançantes águas do mar Atlântico a beijar as areias douradas das praias da Cidade Maravilhosa.

*Rui Guilherme é poeta, escritor, autor de vários livros, juiz aposentado e atualmente mora no Rio de Janeiro