O mendigo da estrada

O mendigo da estrada
Dom Pedro José Conti –Bispo de Macapá

Um rei não tinha filhos. Mandou mensageiros para espalhar avisos. Os jovens aspirantes ao trono deviam ter duas condições: amar a Deus e aos seres humanos de todas as classes e raças. Aqueles que se achassem qualificados deviam apresentar-se para uma entrevista com o rei. Um jovem leu o aviso e pensou que Continue lendo

O vendedor de bombons

O vendedor de bombons
Cléo Farias de Araújo

Aproveitando férias, aceitei o convite de dois vitoriosos atletas do nosso Santana Esporte Clube, Sergio Carlos e Jorge Filho, para irmos caniçar, na fazenda do amigo de um deles.
Em raro dia de sol, pegamos a estrada cedinho e, de posse do material necessário à “empelêita”, fomos conversando e curtindo músicas variadas, do repertório do pesquisador Sérgio, também conhecido por Nunes. A cada música que tocava, fazíamos a associação dela, com alguma etapa de nossas vidas e/ou com algum fato ocorrido em nossa cidade.
Por exemplo: quando tocou “Staying Alive”, do Bee Gees, recordamos das tertúlias nas sedes do Trem, Ipiranga, E. C. Macapá, Amapá Clube e Círculo Militar, onde cada um queria “se apresentar” mais que o outro, a fim de significar no coração das cocotas, para, quando tocasse uma música lenta, a lebre já estivesse no papo.
A certa altura da viagem, ao tocar um bolero de Anísio Silva, um dos integrantes da equipe de pesca, fez alusão ao Merengue. Porém, outro participante declarou:
—Ei, isso também tocava nos seguintes lugares: Hollywood, Juçarão, Curral das éguas, Julinha, Suerda, Só Marisco, Nova Brasília, Vico, Salão Paulino (que depois, virou Salão Castelo), Cornélio, sede do América, Nacional, 13 de setembro, União, Salão do Catabil, Casa Amarela e outras mais.
Nisso, me manifesto:
_ Qual a tua idade, parceiro? Porque tô observando que nem todos esses lugares funcionaram na mesma época.
_ Eu sei-disse ele. – Mas, desde gito, eu frequentei essas paragens.
-Mas…como?- Pergunto eu.
_Quando criança, eu vendia bombons, na porta dessas casas de diversão. Quando cresci, matei minha curiosidade em saber o que era que tinha lá dentro, onde os adultos entravam sorrindo e saíam cansados, mas alegres.
_ É…..- disse eu.- Com essa criatividade, ninguém vai pegar mais peixes que tu, nessa pescaria.
E foi assim: juntando toda a produção dos demais componentes da equipe, não chegamos à quantidade que nosso vendedor de bombons conseguiu tirar da água.

Borboletas e coelhos

Borboletas e coelhos
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Dois jovens foram ao rio para pescar. Um deles vendo uma borboleta voando, largou a vara e saiu atrás dela. Quando voltou, de mãos vazias, viu que o amigo tinha pescado um peixe muito grande. Pouco depois, novamente, o jovem se levantou e correu atrás de um coelho que estava ali por perto, mas não conseguiu alcançá-lo. Quando voltou, viu que o colega tinha pego outro lindo peixe e disse:

 – Por que eu não consigo pegar nem um peixinho?

O outro respondeu: Se deves pescar, pesca! Precisas decidir o que queres pegar: a borboleta, o coelho ou o peixe? Continue lendo

Laguinho do samba e do amor

Laguinho do samba e do amor*
Por João Silva

No tempo em que não havia Câmara Municipal, políticos vaidosos e assessores ruins,daqueles que não assessoram coisa alguma, o macapaense mesmo ia usando a imaginação para dizer onde morava, onde trabalhava, onde se divertia, onde ficava isso, onde ficava aquilo.
Ruas, becos, animal de estimação, praças, bairros, morros, salão de festa, mangueira, baixada, esquina, bar e até baiúca, nada escapava da língua do povo que ia dando nome a cada pedacinho de Macapá, quase sempre homenageando moradores antigos ou figuras populares…Baixada da Maria Mucura, Burro do Pitaíca, Beco do Abieiro, Mangueira do João Assis, Igarapé das Mulheres, Bar do Barrigudo, Bairro Alto, Morro do Sapo, só para lembrar.
Alcy Araújo falava muito no Laguinho do samba e do amor. Uma noite de boemia tinha que começar no Berro d´Água, bar que ficava no canto do antigo INPS, em uma das portas de entrada do bairro, digamos. O Poeta do Cais tinha uma queda pelo Laguinho, achava o nome original, o povo alegre e amigo – ainda bem que Laguinho permaneceu Laguinho, mas depois Continue lendo

Uma crônica de Milton Sapiranga

Seu Antônio, brasileiro, sim senhor!
Milton Sapiranga Barbosa

O bairro da Favela foi pródigo de figuras inesquecíveis. Tinha a Tia Guilherma, que  os mais velhos, para meter medo na molecada diziam que se transformava em uma grande porca  para comer criancinhas choronas e desobedientes. Seu Nestor, apelidado de “pardal”, em referência ao personagem de histórias em quadrinhos que vivia  inventando. Tinha o Licatéro, Kitut, Eleuzípio Bem Bem e o seu Raimundão “paraquedista”, os dois últimos  já homenageados em crônicas anteriores.

Hoje quero falar do Seu Antônio, que por muitos anos trabalhou na cozinha do Hospital Geral de Macapá, tendo como companheiros, seu Alicio, Holanda, Acapú e meu tio, por parte de pai, conhecido como Manoel Delapada (não me perguntem porque Delapada, pois até hoje não sei) .

Naquele tempo dava gosto provar a comida  feita  pelas mãos desses cinco cozinheiros, que se vivos fossem,  hoje  seriam chamados de chefs.

Seu Antônio, quando de folga, gostava de tomar  umas  doses da branquinha  e  era então que revelava duas qualidades que nunca vi, até hoje, em outro ser vivente.

Tão logo saia do Bar Popular ou da Mercearia do  Cacú, arrancava uma folha de mangueira, dobrava-a ao meio e saia tocando, com uma  nitidez incrível, o Hino Nacional Brasileiro,  daí ter ganho o apelido de Antônio Brasileiro. Essa era uma de suas habilidades, a outra, que achava ser a mais espetacular, era o equilíbrio que demonstrava quando  andava sobre a calçada de meio fio, cuja largura não alcançava  um palmo. Sempre tocando o Hino Nacional na folhinha de mangueira, ele andava  um quarteirão de avenida  sem cair, mesmo estando mais pra lá do que pra cá. Só quando pisava no chão batido é que dava umas cambaleadas, demonstrando que havia tomado umas e outras.

Sempre que ele passava tocando o hino nacional  usando como instrumento uma folha  de mangueira e andando na calçada de meio fio sem cair, era seguido e aplaudido  por uma leva de moleques.

Crianças e adultos adoravam seu Antônio, brasileiro, sim senhor, pois era educado, respeitador, não dizia palavrões e nem  tirava  gracinhas com as mulheres. Seu Antônio, viveu por muitos anos em Macapá, mudando-se depois  com a família  para o Rio de Janeiro. Seu Antônio Brasileiro já nos deixou, mas ainda vive entre minhas boas lembranças da  infância feliz, vivida no meu querido Bairro da Favela.

Conto dominical

A flor e a borboleta
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Certa vez, um homem pediu a Deus uma flor e uma borboleta, mas Deus lhe deu um cacto e uma lagarta. O homem ficou triste, pois não entendeu o porquê do seu pedido vir errado. Daí pensou: “Também, com tanta gente para atender!”. E resolveu não questionar. Passado algum tempo, o homem foi verificar o pedido que deixara esquecido, e, para sua surpresa, Continue lendo

Ateei fogo às memórias

Ateei fogo às memórias
José Machado

Ao longo dos anos vamos guardando coisas, entupindo gavetas, empilhando prateleiras com recortes de jornais, de revistas, fotografias, convites para casamentos de gente que há muito se separou, cartões de agradecimento de pessoas cujo rosto esquecemos.
Ao abrir caixas nos deparamos com lembranças. Algumas, têm história e grande valor sentimental que nos trazem gratas recordações. Alguém que foi muito importante para nós, outras foram nossos filhos que compraram e nos deram; um objeto que compramos quando éramos mais jovem ou conseguimos quando estávamos viajando e nos lembra bons momentos- peças que são heranças familiar- memórias incríveis de uma época especial de nossa vida.
Logo que adquirimos, a sensação é boa, gratificante e juramos que irão acompanhar-nos até que a morte nos separe. Mas essa sensação nunca dura muito tempo. Isso acontece com qualquer coisa que envolva desejo. Mas não é o desejo que é ruim.
O problema é o apego que criamos e desenvolvemos por todas essas bugigangas de que não nos livramos porque as associamos a alguém, a algum momento, a algum lugar, funcionam como portais do tempo – são elos do passado ao presente.
Durante esse fim de semana, enchi sacos grandes de tudo e de nada.Muitos, eram objetos sem sentido. As lembranças que preciso estão dentro de mim, não nessas coisas. Algo guardado há muito tempo, retém energia negativa. Por isso, o budismo prega o desapego.
É bom esquecer e livrar-se de alguns trecos, para abrir espaço para novas experiências. Vivemos em um mundo de palavras e imagens, que nos empurram rumo aquilo que não temos, que ainda não somos, que ainda não vimos e, que ninguém nos garante que teremos, seremos ou veremos.
Colecionar ou guardar coisas, é uma tentativa de dar feição familiar a um todo, que na maioria das vezes assusta pelo tamanho que alcança. Mas alguns objetos têm lembranças demais para irem ao lixo.
Por isso, mantive alguns. Cada um deles, me transporta a um tempo diferente da minha vida, é uma prova de que vivenciou uma boa época comigo. Dizem que a vida é curta, mas não é verdade. A vida é longa para quem consegue viver pequenas felicidades.
Algumas coisas doei, olhava-as carinhosamente e decidia intimamente quem ficaria com elas… Não podemos nos desconcentrar no que temos de mais precioso – as relações de amizade e parcerias verdadeiras ou acabaremos lotados de tralhas que não preencherão o nosso vazio existencial.
Doar, é um ato puro, de quem se desprende de seu mundo para oferecer prazer ao desconhecido, sem esperar nada em troca. Daqui pra frente vou adotar uma espécie de prazo fiscal caseiro. Dois anos e adeus…Fogo naquilo que não serve pra ninguém.

A amiga “estraga-prazer”

Matilde olhou-se demoradamente no espelho e sorriu. Um sorriso largo. Estava feliz, se achando linda, leve e bem mais jovem do que quando entrou naquele salão.
“Acho que rejuvenesci uns dez anos”, disse ao
cabeleireiro . “Sim sim. Cabelos curtos rejuvenescem. Agora você está linda e po-de-ro-sa. Aliás, linda você sempre foi, só faltava diminuir essas madeixas”, disse o serelepe cabeleireiro .
Matilde pagou, deu-lhe um afetuoso abraço, olhou-se mais uma vez no espelho e saiu jogando beijinhos. Feliz. Feliz.
Resolveu que linda como estava era um desperdício ir almoçar em casa sozinha. E tomou o rumo de um bem frequentado restaurante. Ali desfilaria seu novo visual.

No caminho foi lembrando da enorme quantidade de xampu e outros cremes que tinha que usar pelo menos duas vezes por semana, do tempo que perdia secando e escovando os longos cabelos que chegavam quase ao meio das costas. “Agora com esse corte chanelzinho basta um tantinho de xampu e só alguns minutos para secar”, pensou alto olhando-se no espelho do retrovisor.

Sorrindo entrou no restaurante. Estava folheando o cardápio, sempre sorrindo, e quando já ia chamar o garçom para pedir um filé com fritas e salada e um suco de laranja ouviu:
Matildeeeee!!!
Levantou os olhos. Era Concy, sua amiga.
-Senta aí, Concy. Vamos almoçar juntas.
Concy não se fez de rogada. Puxou a cadeira, sentou-se; na outra colocou sua bolsa… e antes de mais qualquer coisa olhou de um jeito tão sério para Matilde que assustou-a.

-Que foi? Perguntou Matilde já sem sorrir.

– Amiga, você cortou seus longos cabelos

– Ah, cortei sim. Cansei daquele cabelão, de horas para lavar, secar e escovar. Amei esse meu corte. É prático, leve e me deixou mais jovem. Não achas?

– Ah, amiga, posso ser sincera?
– Claro. Tudo que se espera de uma amiga é sinceridade.

– Não gostei. Tá muito curto, tá estranho, não combina com você. E quer saber mais? Não te rejuvenesceu um dia sequer, acho até que te envelheceu.

Matilde perdeu o apetite. Levantou-se, despediu-se da amiga e foi embora pensando “como tem gente estraga-prazeres neste mundo”.

Se a pessoa está feliz ela está bonita, pois felicidade é uma beleza que vem de dentro. Mas pessoas como Concy só tem olhos para ver a capa, o que está do lado de fora. Imagino que em Concy não existe beleza interior. É o tipo de gente que se você estiver deslumbrante dos pés a cabeça, ela é capaz de descobrir que um minúsculo botão do seu vestido está fora do lugar ou que tem um pelinho rebelde na sua sobrancelha.

A amiga estraga-prazer – por inveja ou por prazer – sempre vai descobrir ou inventar algo para tentar apagar teu sorriso, mexer com tua auto-estima, te colocar para baixo. Não é verdade?

E quem não tem ou nunca teve uma amiga assim levante as mãos para o céu e agradeça.

A esposa obediente -Dom José Conti

A esposa obediente
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

 Certa vez, um sábio e bom mestre voltava para a sua casa, acompanhado por alguns dos seus discípulos. Eles conversavam, descontraídos, sobre os acontecimentos daqueles dias. Ao dobrar uma esquina, uma mulher saiu ao seu encontro e despejou na cabeça do mestre um balde de água suja. A agressora Continue lendo